Utopia

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Amar como se amar fosse pecado
O medo final e único do sonhador.
Amar como se amar fosse mortal
Ameaça constante de todo animal.

Amar o que tem um nome comum
Amar a sobriedade, sem conhecê-la.
Amar o descaso, como herança
Amado e previsível como sempre.

Amor progênito de sangues ruins
Sem concessões. Congênito
Feito um escarro, uma dor.

Amar, como se amar é destruir
Fechar os olhos igual quem sonha.
E acreditar no amor que não existe.


Jônatas Luis Maria

A Flor do tempo

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Dançar-se-ia no ventre do tempo.
Bailarina entre noites e dias.
Vermelho noturno no virtual espaço
De lançar-se nos espirais inquietos.

Viver então um âmago dourado.
Literatura além do enquanto.
Arte dos signos movimentos
Bailando letras no palco de deus.

Gaivota livre derrubando a inércia.
Rasgada noite num eterno espaço.
Coreografia dos dançares invisíveis,
Sem sombras a varrer panos de fundo.

Sem dias a contar histórias.
E histórias a contar os dias.
Somente um além detrás dos olhos
Num eterno tempo todo de sonhar.

Brincar na vida, no centro da roda.
Rito de um rito natural inconsciente.
Ser-se-ia certamente dançarina,
Vulto vermelho a passar no instante.


Jônatas Luis Maria

Carrossel

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Sem você não tem outros braços.
Não tem outro colo, nem tem outras vidas.
Sem você é enchente num barraco no rio,
É pintura barroca na tela intocável.

Sem você é o vicio diário de subsistir.
É o medo latente, é uma força pulsante
Que se contenta no grito e depois o silêncio.
É o intervalo que existe dividindo o corpo
em fases da lua.

Sem você é a chuva, que chove nas calçadas.
Escorre toda água possível e, no entanto, na rua
Há marcas que jamais se calarão e no clarão
De um raio vem um abraço que se fez
antes do trovão.

Porque em você mora um sopro divino
Uma pétala de flor tão rara, guerreira!
Uma fé dando luz a vida. E a vida é carrossel
Brincando menina, nos girassóis de deus.


Jônatas Luis Maria

Abstrato

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O tempo passando lá fora é diferente
Distante, desenhando com lápis de cor
Noites tão claras e na pintura nós dois
Vemos a chuva transformar tudo aqui
Em aquarela misturando todo abraço.

Abraçados caminhamos infinitos,
Via láctea enfeitiçando os olhos.
Roubamo-nos um beijo de surpresa,
Instante onde as orquestras de deus
Tocam sonatas calmíssimas do céu.

O momento é eterno dentro n’alma.
Espíritos sublimes dançam à volta,
Cantam canções e transcendem solos
Pra lentamente adormecermos juntos,
Despercebendo a elegia de um adeus.

Chuva fina e terna transformando
Nossos desenhos em silhueta rara.
Misturando-se com a tinta da flora
Tornamo-nos figura subjetiva na cor,
Fugindo pra sempre das percepções.


Jônatas Luis Maria

Revoada

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A geada vem matar nossa alegria,
Vem salientar um colorido morto.
O Plátano dorme. Explodem ipês,
Amanhecer gelado dos corações.

O dia começa ao cheiro de adeus,
Adeus distante e escrito em você.
Outono aonde tudo se consterna
No verso intermitente de solidão.

Sinceridade inoportuna nos toma.
Saudades de matar, irrelevâncias.
Uso o dia deixando os dias usados.
Visito ainda carnavais mais velhos.

Nos olhos há uma ternura natural.
Profundo afeto e tristeza de amar.
O pedacinho de você vivendo aqui
É a lembrança dolorosa da partida.


Jônatas Luis Maria

Gelo e Adeus

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Cabisbaixo eu ando indiferente
Debaixo da chuva de diamantes.
Carrego um minuto nos dentes
A trocar por um pouco de atenção.

Confesso-me relutante da crua
Beleza que existe no raio da luz.
Reflexos dos momentos vividos,
Colecionáveis que chovem aqui.

Beiro pela calçada quase métrica,
Procuro no meio fio uma latência.
Um motivo qualquer pra lhe amar
E colorir o som na cidade vazia.

Pois nesta cidade fria de recordações
Mora um andar sisudo, vago e torto.
Aqui mais valem as lágrimas nos olhos,
Aos segredos, escondidos nos mesmos.

Vale o frio adormecendo os corpos,
Carregados de um violeta de silêncios.
Chove nesta hora o pensamento esquecido
Daquilo que restou e virou pedra e dormiu.

Cárcere de todos os abandonos.
Memória mais triste de todos os finais
O dia a dia no coração dos amantes
Cai por aqui, em pedrinhas de nunca mais.


Jônatas Luis Maria

Aurora

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Simétrica ocasião
O acaso em que lhe ganho.
O caso que é que me arranho
Em tua pele ocasional de espinhos.

Em teu cheiro de flor lilás
Inspiro-me versos singelos.
E a leveza que paira pelo ar
Mal balança teu vestido.

Numa dança, sem motivos.
Num ato de índios conceitos
Estreitos, corpos de fibra de vidro
Em instinto febril de sonhos nus.

Dançar e dançar a violência
Na coreografia de um dia de sol.
Somos vitrais na graça da manhã,
Inteiros, cingidos em sombra e luz.

Jônatas Luis Maria

Demasiado Humano

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Equilibrista,
das equações matemáticas
nunca aprendidas,
Tento pôr-me em ordem alfabética.

Palhaço,
em picadeiros urbanos,
construo-me ciberespaço
de espaçamentos cada vez maiores.

Tramas de bancos de dados
Brindando a tendência do exílio,
E a vã sensibilidade
deste mundo de semicondutores.


Jônatas Luis Maria

Olhos de acrílico

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Meus gritos por socorro
Morreram afogados no vazio.
Ninguém respondeu.

Meus gritos por socorro
Morreram afogados no vazio.
Ninguém respondeu.

Tenho fome.
Uma fome desmedida,
De silêncios.

Eterno desespero.
Como se enquanto fome,
Alguém me devorasse.

Todo dia devorado,
Meu sangue escorre
Com a chuva.

Minha morada é fria!
Todo apelo é mordaça.
A casa é de bonecas,
E eu sou de brinquedo.


Jônatas Luis Maria

Momento

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Teu cheiro é de cores primárias,
Óleo em tua pele de tela abstrata.
Olho de fera escondida no mato.

É de fato um bicho de arte.
Uma coisa que caça o silêncio.
Pêlo escuro a cobrir o anoitecer.

A cena é uma onça!
Dançando leve sobre flores.
Num instante, um rugido de rasgar e vermelho.


Jônatas Luis Maria

Incendiar

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Perdi a estética.
Chorei fora de moda.
Tesoura cega
Mastigando linho e seda.

Iconoclasta!
Quebrei-me maldades,
Tranquei-me no quarto
E tremi.

De anestesias locais
Roguei aos santos
Dádivas a carícias indolores
E de blasfêmia fiz-me verso
Ao passar todo o efeito.

Não tenho métricas.
Tão pouco sei do amor:
Aqui no peito restam cinzas,
Recortes, das obras que queimei.


Jônatas Luis Maria

Tempestade Verde-Azul

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Descabidamente procurar-lhe-ia.
Em teu sopro vento vendaval.
Carregando eras sem sequer perguntar.
Desmistificando a ira, sem talvez uma queixa.

Deixa. Os olhos lhe contam o pesar.
Canta e sopra a flauta de ilusões
Porque te busco em prismas
E aquilo que obtenho é sal.

Outrora sem o domínio vão
Das coisas exaladas na primavera,
Dias em que se cobrem de mortalhas
As horas rosnantes do cruz credo.

Sem teor de duvidas ou mitos.
Sem o pavor que compõe as notas.
Ao teu cheiro sândalo sem perfume
Lhe digo o caos em que te escrevo.

Descrevo como dias que não vivi,
Atrevo-me de amor como nunca.
Ninguém antes percebeu pecados,
Todos tão próximos de deus!

Que seria eu, senão teu pêlo?
Tua asa reclusa pelo gelo.
Tua pele desvairada de arrepio.
Sopro contundente de brisa leve.

Se tudo é vento, sou o mar frio
Que espera em cada onda
Encontrar um beijo teu,
Espuma de anseios que se recolhem.

Sou-me de vento, e de confusão.
Redemoinhos atrozes
Consumindo quem sabe
Todo destino traçado.

Nas ilhas que abandonei
Por falta de cuidados,
Moram aí todas filhas
Que adotei no decorrer do dia

Lá estão. A sós e famintas.
De vários nomes se conhecem.
Ana, Cristina, Esperança,
Causa, Dor, Mariana.

O que restou de meu país
Foi bandeira queimada.
Foi fome de miséria
Nestes dias em que não vivi.


Jônatas Luis Maria

Laura

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Laura é face do sol
E o negror da noite.
Carne de antologias.
Laura é fase da lua.

Derramei-me afinal,
No cálice dos licores
Dos disfarces de Laura.
Laura que é só menina – E é só vanguarda.

Quando seus olhos de chuva
Mostram a tarde lamurienta,
Laura com a tarde se lamenta,
Deixando tristeza nas estrelas.

Que Laura, meiga Laurinha,
É triste, pobre passarinha,
Pois lhe faltam versinhos
De paixão e laureio n’ ouvido.

Amor áureo e machucado,
Laureado pranto de Laura
É silencio no azul da noite
E por afeto Laura logo chora.

Chora, pois, a meninice passada,
Tão perto ainda, é quase consolo!
E a vida lírica e mui bela da moçoila
Corre paralela aos seus dias avessos.

Desvanece a vida ante seus olhinhos,
Pois Laura, com carinho, não voltará.
Devagarzinho ter-se-á lembrança dela.
Laura que por anseio, não é mais ela.


Jônatas Luis Maria

Palavrear

___________

A palavra, intrínseca,
Que se corta no escorregar,
Quando desce relutante
À garganta e cala,
Quando não quer calar,

É como alma desmedida.
Que louca atira-se ao amor,
Quando paixão ignorante
Aos olhos se reflete e o olhar,
Triste olhar, jamais se calará.

E é mais! É tal qual sonho
Impossível e escorre ao rosto
Em lágrima que é real e resto,
E desta forma, o sonho que era preso,
Encontra forma de falar.

Ainda além: A palavra,
Desfaz o verso, destrói a forma.
Toca alma corajosa por atirar-se à margem
D’um mar de amores. E é só o amor
Qual a palavra pode silenciar.


Jônatas Luis Maria

Revelar

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Usa então verborragia,
verbos velhos, velhos novos.
Movimento à inquestão
de um circulo operário.

Verbo verbo, verboá.
Verbete virei a ser.
Vulgar xingamento
De varrer o então.

Desprender, avivar. Enfim,
Verbalizar, tornar hábil uma coisa
Indefinida. Controlada
Sob a diretriz do verbo.


Jônatas Luis Maria

Criara

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Nasce um tempo em mim.
Cria que me cria.
Filho de Mimos
Criança aguda
por detrás dos olhos.

Cresce um momento aqui.
Cada minuto é tão lento,
Tão inquieto. Se passam
Horas e, no entanto,
Minutos são fatais!

Quem faz o som é o tempo.
E se o tempo parasse?
Haveria de ser instante
Estanque e pra sempre
tipo toda sinfonia.

Existe um tempo aqui, hiato.
Avesso e renega a tudo.
E até mesmo se cria
E cria, pró-cria, de si próprio,
este filho devorado.


Jônatas Luis Maria

Pálida ocasião

___________

Bits significativos
do vocálico - eu te amo.
Mitos justificáveis
em horas de abandono.

Álgebras complexas,
Matemáticas impossíveis,
contornam tua pele
incendiada de motivos.

Caligrafia tristonha.
E nesta hora nordestina
misturo-me em você.

Distorcidos são os ecos,
mas proponho toda ausência.
Avessa, noviça,
transitando tua face
desconexa.


Jônatas Luis Maria

Por aí

__________

No entrave das bocas,
Na menina dos olhos,
Bruxaria!
Soltando miados.

Trancas em portas,
Travas na língua.
Medo,
Escondido nos cantos.

Entre ossos do oficio,
Partos e necrotérios,
Caos,
Pairando pétalas.

Num gole, numa rua,
Em ziguezague sem norte;
Nós!
(ul) trajando destino.

Jônatas Luis Maria

Balé Frenesi (Arte)

__________

Atravessa o pântano bailarina.
Sapatilha destroçada!
Deixa teu vestido
Rasgado e sujo ao lodo.

Tua retina no quintal
Logo a d'encontrar o lobo,
Uivando. Sobrenatural.
Dia cinza igual ao teu.

Mira minha porta. Boca,
Das entranhas e tragédias.
Saliva doce de veludo
Pra lamber tua pele imaginária.

Deixa agora, tal vestido,
Coadjuvante, secundário,
Sem vestígio pendurado
E adentra o picadeiro.

Palco dos horrores,
Em cenas pormenores
Que tua dança semi-nua
Mal pode interpretar.

Improvisa bailarina.
Encharca teu dançar,
e chora. Pois a hora (oh menina)
Não demora teu prazer.


Jônatas Luis Maria

Faces Pós-Modernas (Dias de Cão)

__________

Estilhaço das tramas.
Meu cansaço.
Remoído na cama,
Sol de concreto no terraço.

Sal de remorsos.
Minha lama.
Algoz violento – O diário
Aniquilando eu e você
Torpor do tédio!

Livre seria o galope!
Não fosse a cegueira do bicho.
Rumando sem destino,
Sem norte, na busca do fim.

Mate quem fez a canção.
Em suma sempre lembra você
Face que esqueci. Ao ser-me Narciso
Enlouquecido entre espelhos de Alice.


Jônatas Luis Maria

Silêncio

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Fui gota...
Transbordei.
Sou a sobra
da sombra
destituída do vulto.

Fui o Caco...
Lhe cortei.
Sou o fim
do dia
asfixiado pela noite.

Lapidei...
Teci fio a fio
todas utopias que juraste,
num bordado estranho
de silêncios que fiz.

Se olhares bem,
Verás gota a gota, caco a caco,
do bordado utópico trancado
na manhã cinzenta
transbordada que sou.


Jônatas Luis Maria

Lamento de Sophia

__________

Acorda Sophia.
Canta teus penares.
Sonha teus horrores
e se afoga em agonia.

Olha Sophia,
Grita teus gemeres.
Inventa teus quereres
Desiludida sinfonia.

Chora Sophia.
Adora teus avatares,
Peça forças para eles,
Talvez um lhe atenderia.

Cresce Sophia.
Aqui não tem brinquedo.
Escreve teu diário
No papel em melodia.

Viva Sophia,
Sorri ao plenilúnio,
Pois por infortúnio,
Logo chaga o dia.


Jônatas Luis Maria

Marginal

___________

Sempre preferi becos.
Ruelas,
Postes, pedras.

Cabanas, Praças.
Sempre quis o meio fio,
A calçada.

Marmita servida meio fria,
Gosto um tanto ranço
de utopia.

Comer caminhando
e chover canivetes.

Sempre quis as sombras,
as sobras,
A lama. O caos.

Sempre tive orgulhos,
estiletes e tal

Em palavras
misturadas ao que for:

exausto,
exalto-lhe
o exato da dor.

Porque quem sabe
Tua linha desperta descontrole.
Por vezes criptografias de vida
Em drogas modernas\clichês.

E tudo simboliza então
um subjetivismo minimalista
de antítese ao palpável da fome.
Ah! Mas eu:

Sempre preferi becos.
Ruelas,
Postes, pedras.
A calçada.


Jônatas Luis Maria

Sensações

de lacuna vazia.
Passo sem ações.
Acostuma tristeza
sorrir do cinza escuro chuvoso
caminhar.

Jazigo onde queimam sonhos,
Estrelas mortas apagadas.
Marasmo louco
Sem nenhuma intimidade.

Escorregadio desejo.
Escapando em cada piscar
Lágrima, e silêncio.


Jônatas Luis Maria

Enigmática (7 selos)

___________

Regras do jogo
escuro que nos tranca.
Silêncio oposto,
Casa preta ou branca.

Esquinas sombrias;
Percorre em números.
Rolar dos dados.
Infinitas são as faces,
Também as casas de trapaça.

Ruelas que tropeço,
Percalço que te encontro,
Sigilo memorial,
Nos espaços modernos\culturais.

Faces cultuadas,
Olhos de estranho brilho.
Perspectiva corporal,
Dama em frente ao rei.

Check!


Jônatas Luis Maria

Traços de razão

__________

Retenho meus demônios
No altar da austeridade.
Sacrifico fantasmas
E os transformo em realidade.

Porque há caos simbólico,
Relíquias honrosas
Transportando tesouros
Menos valiosos que você.

Quem sabe seria
Meu ato de perdão
A voz noturna calando
Lágrima a lágrima da emoção.

Minha boca transeunte
Transpõe o desespero
Em sílabas trompetes
Daquela tola indecisão.

Jônatas Luis Maria

Alterego Nublado

__________

Superatividade cerebral
Faz pensar todo instante
Milhares de canções
Ensinando liberdade.

Milesegundos involuntários
Da intensificação do prazer.
Tênue valência de pólos inversos
Impedindo-me evaporar... E evoluir.

Até aonde vai o bom senso?
E todas aquelas retóricas mais
Ensinando o simpático sorrir?

E lá no alter teu
Sabe-se que por vezes
Há tudo de contrário ao teu sol.


Jônatas Luis Maria

Canção do abismo

__________

Entristece
Toda lágrima presente.
Dita
Aquilo tudo que foi vento.
Frio e pálido anúncio
D’ um eco que persiste.

Jônatas Luis Maria

Outono

_________

Nestes dias de silêncio,
névoa e primeiro frio,
é tristeza certa no coração.

Da janela a natureza
morre. Prelúdio vazio
e você era lua.

Crepúsculo de veludo
rubro da vinha. Vinho
da uva que não vi florescer.

Jônatas Luis Maria

Improviso

__________

Estar seguro
d'onde se está
é ilusão
ensaio
desassossego.

A vida é precipício
Desvairada
Desapego.

Causas meramente causas.
Efeito meramente
caos.

Jônatas Luis Maria

Lugares

___________

Por vezes
meu olhar é árido.
Assim quando passa
como vento.
Cavalgar mutável,
primaveril mudança
Nas dunas. Marés.
Revigorada esperança no carnaval.


Jônatas Luis Maria

Inconseqüência

__________

Transforma-me em migalhas.
Poeira silenciosa d’outro mundo.
Recorta-me papel,
Barquinhos à deriva.

Estilhaça-me vitral.
Cubismo catedral
Colorindo a luz do sol.

Chora-me afinal,
Melhor instante meu
é escorrer no teu rosto.

Chama-me marginal,
Desvirtuando-me
aos pouquinhos.

Atira-me contra parede,
Sou taça de vinho;

Um estilhaço de raiva
Cortando quem pisa.


Jônatas Luis Maria

Morena Flor (canção)

_________

Por favor, me deixa ver seus olhos
Lá no fim, no fundo, na alma,
Por favor, me deixa ser tua pele
Incendiada de motivos pra sorrir.

Descansa aqui quietinha,
Enquanto boceja a canção esse calor.
Dorme ao fim da tarde, e arde,
No teu sono a tua pele que eu sou.

Sonha enquanto vento sopra poesia,
Parecida com o sonho que é você.
Vem ver as crianças em ciranda,
Colorindo esse teu sono de alegrias.

Descansa nos meus olhos, por favor,
Para os meus olhos descansarem vendo a flor
Sorrir, sonhando. Serena e tão bela,
Sentindo colorir a pele dela, o meu amor.

Jônatas Luis Maria

Terra em Transe

__________

Nesse abril despedaçado
Deixo morrer as flores
De minha lavoura arcaica.

Que fique com a discussão
Deus e o diabo na terra do sol.
Vou plantar versos na cidade de deus.

Entre viadutos e poças sujas, vidas secas.
Nas ruelas estreitas
Revira o lixo meu novo amigo,
Dois perdidos numa noite suja!

Mendigos e executivos pela calçada
Comentam crime e castigo.
Tenho medo das esquinas
E do bandido da luz vermelha.

Nos letreiros foscos e anúncios de jornal
Descubro que toda a nudez será castigada.
Tudo por aqui é tão frio,
Longe do maior amor do mundo.

Sinto a todos e a tudo
Tão frenético e passageiro
Quanto navalha na carne.

Tanta gente e estou só. Solitária do Carandiru.
Num hotel barato, durmo numa cama de gato.
Sinto-me o estorvo, vejo tristeza
E nem ao menos sei de Olga.

Perdido na central do Brasil
Pergunto-me “o que é isso companheiro?”
Vou embora. Dançar com Madame Satã.
Bye Bye Brasil – Eu te amo!

Jônatas Luis Maria

Ferir-se no Íntimo

__________

Egos se ferem
Feras não nego
Gritos não prendem
As eras que prego.

Ares confundem
Mares sem fundo
Trevas iludindo
Os bares do mundo.

Segredos sorrindo
Medos nos tratos
Fracos enredos
Sem barcos ou credos.

Mas barcos nos levam
Tratos nos traem
Nos arcos beirando
Um choro que cai.

E caem ainda
Fracos a esmo
Frascos dos mesmos
Perfumes sorrindo.

Sonetos não valem
Poetas que calem
O sorrir em segredo.

Um mundo nos bares
Cavernas fundando
O fundo dos mares

E pregam as eras
E prendem os gritos
E negam as feras
Os egos que ferem.

Jônatas Luis Maria

Em Carne

__________

Roa-me como quem rói o podre.
Solta-me como quem exorciza.
E tema! Grita! E eu sussurro
Como quem goza.

Fitem! Observem! Feito quem pode.
Ouçam o silêncio tal qual uma ode.
Admirem o inimaginável, assim,
Igual quem reza.

Açoitem-me. E eu choro, salgo teu chão.
Ninguém me pode. Nem cria. Nem me é.
Incendeie-me como Roma
E serei maior que a simples cidadela.

Marca-me como gado!
E eu cicatrizo feito um olhar.
Um guizo pronto, em tua presença,
A Sacudir.

Faça de mim o pó,
E nasço flor de Lótus.
Faça de mim a cinza!
Ressurjo como fênix.

Adora-me como Meca,
Derreta-me feito Pompéia,
E volto feito um poeta
E Recrio a Odisséia.

Jônatas Luis Maria