Luz em Sombra (dadaísmo)

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I - Eclipse

Carregar cores em antídotos
Essencial vestindo-se de ver.
Fumaças, forças entre véus;
Soturnos, filhos do entrevir.

Vagar vultosamente vazios,
Ventos em linhas onduladas.
Xadrez descontinuado dos retalhos,
Lunáticos vivendo no sol.

Sozinha vinha perdida na floresta,
Cintilante estrela desvairada sem nascer.
Lápides não escritas, por lápis do tempo,
Desenho pueril do que não é.

Desperto, disperso, flor do delírio.
Espalhado espelho na beleza do caco,
Refletido instante de todo outrora.
Diana tribo retida na refração solar.

A rua abandonada no abandono das ruas,
Das coisas que esqueceríamos...
Mas nós não esquecemos. Misturamos
Essências de cores para nos salvar,

Deixando assim a vida
Num tom acinzentado claro,
Acidentado e morto.

II - Sombra

Piramidal estado de viver, não viver.
Espírito tão somente espírito, espasmo,
Espreito olhar do animal em perigo.
Pingo, nota de piano, piar de águia.

Raridades. Diamante bruto na caverna,
Um beijo entre mendigos na rua.

Exílio. Exímio estado intrínseco,
Matéria permissiva do estilhaço.
Mortal. Vivendo lascivas imortalidades,
Vampiros ao final, por carnes indizíveis.

III – Luz

Neutralizo-me e viro fera flutuando
No mar de inconsciência sem porquê.
Vejo-me fera. Fera fractal estritamente nula;
Flutuar, sobre neutralismos silenciosos.

Num frasco que carrego contém você.
Amar o estrago dos corações. Nus!
Ao amargor de eras crescendo no tempo,
Ao negror da noite uivando com lobos,

Improvisando com lobos, Lucius, anjos,
Lunas! Nuevas lunas a bailar.
Recantos obscuros tocados pela morte;
Invasões, evasões, migração e corações.

Dispersos corações, perdidos pelo dia.
Encontram-se, conversam e se partem,
Parto de dor, da passagem do sol.
Dia após dia, um a um, visto. Vestido.

Tudo se congela em tua essência
E neste aéreo som áureo, uma luz,
De fazer sombra onde não toca,
De se morrer para quem não tem.

Tu és o ir e o jamais voltar.
Por isso é estar sempre presente.
É tu aquilo o qual viveram todos
E vivem eles todos, dentro de ti.


IV – Reflexos

Se tivesse apenas um tanto
De compreensão comigo
Calar-me-ia e seria apenas
Uma mágoa.

Entretanto meu ego acredita
Numa certeza que é só dele
E não controlo. Desvario
E creio.

Crença daquilo que conquisto,
Ora não há posse. Não há nada.
Existe sim um sonho, desvairado
Só meu.

Um fantasma absoluto. Contrapondo
Aquilo tudo que por ventura fui eu.
Hoje descrevo em primeira pessoa
De alguém.

D’uma alma tão avessa, suprimida,
Um corpo que envelhece, longe daqui.
Verso vivendo sílaba à sílaba
À sobriedade da escrita.

Ser vagando conjuntivo
Cativo, ora se não uma sobra
D’um mim soluço saliente
Daquilo tudo silenciado.

A triste realidade assolada
Dia a dia adquirida, um ver
Quadro a quadro do que não chega
Jamais.

Nessa crença mistura-se todo 1ser
Todos nós, toda cor, e as formas,
Criando pessoa alheia na visão.
Um contraponto.

Um lúcifer na horda cabalística,
Ou Gabriel, mundano que vivo aqui.
Ou ainda os dois, contra um todo viciado,
Visceral.

Porém uma transgressiva perspectiva
Invade espelhos e Déjà Vu
Refletindo caos interior para só diferir
Uma ordem.

Inimigo do tempo. Inquilino em teu colo
Não iluminado. Não ascencionado, nem nada.
Um sonhar investindo no fim...
Investindo ao fim, na luz que não temos.

Jônatas Luis Maria

A vida que vale a pena ser vivida.

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Na vida do homem, aonde se insere a liberdade? Poderia afinal existir um conceito fundamental que define liberdade, ao passo que estamos condicionados a viver em sociedade? Como pode, ao mesmo tempo, existir um homem livre, e todos os homens livres?

Para pontuar nossos conceitos, poderíamos focar nosso discurso em um dos critérios da definição filosófica de liberdade: a busca da felicidade. A felicidade por sua vez consiste no bem, no belo e, no sublime. É feliz o homem que pratica o bem, que busca a beleza e que contempla e reflete sobre aquilo que é sublime, mesmo que sua reflexão a cerca do sublime baseie-se inteiramente num processo de fé.

Seria então correta a conclusão: é livre todo homem que é feliz? Sim. É correta. Mas é correta, apenas se partirmos do pressuposto que a busca da felicidade obedece necessariamente não as leis morais, mas a moralidade em si mesma. A lei vem depois. Todavia, a moralidade não é um conceito a priori, mas sim algo que desenvolvemos ao longo do tempo, assim como tantos outros conceitos metafísicos. E este, é um papel que cabe a linguagem, a cognição e ao raciocínio lógico.

A moral em si mesma é estritamente dependente da autonomia da vontade e, a autonomia da vontade é fundamentalmente livre, não pode ser aprisionada nem aniquilada enquanto existe o homem como ser em si mesmo. Entretanto, para que se tenha um resultado satisfatório no desenvolvimento da autonomia da vontade, faz-se necessário dilatar esta autonomia, e este acréscimo começa com o cuidado de si. Não pode respeitar o próximo, o homem que não respeita a si mesmo. Corpo sano, mente sana. Eis aí um dos princípios de liberdade, autonomia e felicidade que perdura a mais de 2200 anos.

Quem respeita si mesmo e, além disso, reflete sobre isto, respeita o próximo porque desenvolve suas virtudes e cria para si um senso de justiça. Claro que a justiça não pode vir a ser um senso individual. Aí vale o imperativo categórico. E é por isso que devemos fazer uso da razão, que analisa o passado e reflete sobre a mudança. E se for preciso errar para acertar mais tarde, que seja. A humanidade, assim como o homem, um dia foi criança. O processo de amadurecimento de um organismo se dá pela passagem do tempo.

Através da razão chegamos ao consenso da lei. E a lei deve ser dinâmica e estar sempre sob analise da razão. Aquilo que é instituído, e a própria instituição, devem ser constantemente revisados. A própria natureza tem seus ciclos de renovação.

O homem que cumpre a lei, não porque é lei, mas por ter ciência de que é seu dever cumpri-la, e questioná-la quando necessário, é o homem que encontrou a harmonia no convívio com seu semelhante, mesmo na condição de seres passionais. É o homem comedido, que soube ponderar entre o mundo natural e o mundo inteligível, o mundo da escolha pela autonomia da vontade. Este homem é feliz porque tem autonomia para buscar aquilo que crê. E este homem é também livre. Porque mesmo que não encontre aquilo que busca, sabe que tem o direito, e também o dever, de procurar.

Jônatas Luis Maria