Existir



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As rosas de maio não se arrependem.
Amadurecem sem desejos,
sem ressentimentos.

Os dias do Sul são distantes do sol.
É terra isolada do mundo,
pensamento que delira nas nuvens.

Outubro tem a cor de outubro.
Um tom sem nome nem mesura,
acordes aquosos escorrendo

Relógio de Dalí.

Aos que restam, silentes e distantes
fica um gosto de lonjuras.
Ausência do mundo dentro do mundo.

Cortina de segredos ante a face,
e a foice desliza no agridoce dos olhos.
Flor do pântano no pranto de quem fica.

Deixam-se todas horas a navegar
por baías de tristeza até o fim do mar.
Falua do coração descuidado, sem farol,

sequer estrela guia, entre escuridões.

Jônatas Luis Maria

Desmesuras




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Não me agarro à bandeiras,
mas ao lixo, à clausura.
Não pertenço à comuna,
tampouco às causas medievais.

Sou o sangue das gargantas cortadas
manchando a roupa dos condenados.
Sal da terra no vestido de Maria
Tenho em mim ovulações do cosmos.

Nem atritos tenho nos pés, mas carne viva
Porque caminho há séculos ao teu encontro
e portanto, indizível, consumado, desumano
espezinho tudo que me parece tua sombra.

Não tenho carne, olhos, boca - sou vendaval
e simplesmente exijo que o mundo sopre
forte e incomensurável, como há de ser o mundo
quando se trata de acarinhar tormentas.

Não sou a morte, mas a vida que se esvai,
nem os dias ou as noites,  mas os intervalos.
Não sou amor, desamor ou amizade,
E sim sinceridade, doa em mim a quem doer.

Jônatas Luis Maria

Estatuaria


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Sei que não tenho direito
de lhe fazer tais exigências,
entretanto gostaria de pedir
que pare com toda ternura.


Não diga doçuras e gentilezas,
não olhe com carinho insuportável
ao ponto de fazer de nós um só,
ao ponto crucial que transborda
as bordas do amor.

Não quero ver tua letra, cursiva e sensual
perdida nos bilhetes e papéis,
nos cadernos e anotações, escondidos pela casa.
Dá saudades quando te encontro nas gavetas.

Jamais sorria. Feche a cara, cerre os lábios,
tenha a testa franzida e olhar de quem me testa.
Seja dura! Imparcial como convém,
ou pensarei que a beleza do mundo é toda tua.

Nunca rememore nossos planos, nossas fugas.
Esqueça as fotos e flores, as mãos atadas.
Arranha a pele, apaga as marcas de carinho,
as canções que ficaram, e os poemas virão.

Jônatas Luis Maria

Incompletudes

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O coração é órgão metafísico
corpo muscular de matéria inorgânica
reage no amor ao menor sussurro
nas canções convém gritá-lo.

Pulsando vertiginoso entre granizos
jorrando pelo céu o colorido das auroras
e perde-se na arritmia diária
Meu coração não está aqui.

Está a vasculhar, pelo inóspito mundo,
as doçuras que perdeu
Meu coração não está aqui
e procura nas varandas, lamaçais
nos ônibus, nos doentes terminais
Meu coração é só procura

Carinhosamente estremece e amarga
quando engana-se, encontrara
o que dele sempre se perdeu
Meu coração não está aqui.

Mas por de lá, detrás os longes
sobre nuvens, além dos temporais
meu coração dança a dança dos ritmos
muito além dos carnavais.

Jônatas Luis Maria

Ciranda


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Essa mania de falar com pedras
de tropeçar nas pedras
de se recostar nas árvores
e delirar

O instinto amargo de virar tempestade
uivar o lamento louco dos trovões
estendendo longo corpo de escuridões
por infinitos descampados em tormenta

Transformar-se no fantasma da chuva
e onde me levam os meus fantasmas?

Essa mania de cantar com pássaros
resignar-se com pássaros
e piar pelo arvoredo
lamentando ser sequer terra gasta
pisada de rituais e segredos

Não. Aqui há senão desertos
caatinga violenta e solitária
espinhais e répteis ariscos

aqui não há cirandas
nem carpideiras de encomendar
os cadáveres e carcaças

Aqui a noite é calada
vazio de todos os vazios
loucura de todas as estrelas
distância de todas as estrelas

O coração é escuro desacerto
é absurdo de absurdos e vagueia
pela tremenda estiagem noturna e caminha
aonde me levam os meus fantasmas.

Jônatas Luis Maria


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Pretendo ser conivente
com minhas garrafas de vinho,
com as xícaras de café,
com a eloquência fingida
dos livros que jamais lerei.

Afinal, quem mais há de compreender
essa tamanha obsolescência do mundo,
senão as garrafas de vinho,
as xícaras de café, e os livros que não li?

Quem haveria de sustentar-me,
senão as bebedeiras?
Onde poderia eu desfalecer,
senão no sofá de casa
que foi sempre quem me acolheu
sem fazer perguntas?

Quais diálogos poderia querer,
senão com as plantas domésticas?
E quais discursos proferiria, senão aqueles
para folhagens e pássaros, atentos e quietos
pelas praças afora?

A quem poderia amar,
senão as refeições solitárias,
os computadores móveis
e os elevadores?

Quero estar atento
quando não tocar nenhuma música,
quero estar sóbrio, ao ouvir
meu corpo que palpita sem porquês.

E ao olhar em volta de mim,
perceber que todas as construções
que o eu passado arquitetara
são ruinas de todas as coisas que esqueci.

E finalmente, entre as cadeiras,
sobre os tapetes, em meio à programas de TV,
atônito mas precavido,
vislumbrarei essas irrelevâncias e saberei enfim,
que todas as realizações foram em vão.

Jônatas Luis Maria