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O coração é órgão metafísico
corpo muscular de matéria inorgânica
reage no amor ao menor sussurro
nas canções convém gritá-lo.
Pulsando vertiginoso entre granizos
jorrando pelo céu o colorido das auroras
e perde-se na arritmia diária
Meu coração não está aqui.
Está a vasculhar, pelo inóspito mundo,
as doçuras que perdeu
Meu coração não está aqui
e procura nas varandas, lamaçais
nos ônibus, nos doentes terminais
Meu coração é só procura
Carinhosamente estremece e amarga
quando engana-se, encontrara
o que dele sempre se perdeu
Meu coração não está aqui.
Mas por de lá, detrás os longes
sobre nuvens, além dos temporais
meu coração dança a dança dos ritmos
muito além dos carnavais.
Jônatas Luis Maria
Ciranda
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Essa mania de falar com pedras
de tropeçar nas pedras
de se recostar nas árvores
e delirar
O instinto amargo de virar tempestade
uivar o lamento louco dos trovões
estendendo longo corpo de escuridões
por infinitos descampados em tormenta
Transformar-se no fantasma da chuva
e onde me levam os meus fantasmas?
Essa mania de cantar com pássaros
resignar-se com pássaros
e piar pelo arvoredo
lamentando ser sequer terra gasta
pisada de rituais e segredos
Não. Aqui há senão desertos
caatinga violenta e solitária
espinhais e répteis ariscos
aqui não há cirandas
nem carpideiras de encomendar
os cadáveres e carcaças
Aqui a noite é calada
vazio de todos os vazios
loucura de todas as estrelas
distância de todas as estrelas
O coração é escuro desacerto
é absurdo de absurdos e vagueia
pela tremenda estiagem noturna e caminha
aonde me levam os meus fantasmas.
Jônatas Luis Maria
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Pretendo ser conivente
com minhas garrafas de vinho,
com as xícaras de café,
com a eloquência fingida
dos livros que jamais lerei.
Afinal, quem mais há de compreender
essa tamanha obsolescência do mundo,
senão as garrafas de vinho,
as xícaras de café, e os livros que não li?
Quem haveria de sustentar-me,
senão as bebedeiras?
Onde poderia eu desfalecer,
senão no sofá de casa
que foi sempre quem me acolheu
sem fazer perguntas?
Quais diálogos poderia querer,
senão com as plantas domésticas?
E quais discursos proferiria, senão aqueles
para folhagens e pássaros, atentos e quietos
pelas praças afora?
A quem poderia amar,
senão as refeições solitárias,
os computadores móveis
e os elevadores?
Quero estar atento
quando não tocar nenhuma música,
quero estar sóbrio, ao ouvir
meu corpo que palpita sem porquês.
E ao olhar em volta de mim,
perceber que todas as construções
que o eu passado arquitetara
são ruinas de todas as coisas que esqueci.
E finalmente, entre as cadeiras,
sobre os tapetes, em meio à programas de TV,
atônito mas precavido,
vislumbrarei essas irrelevâncias e saberei enfim,
que todas as realizações foram em vão.
Jônatas Luis Maria
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