Ecoar Reflexos

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A poesia me foi roubada na infância.
E foi-me roubada a infância, sem verso,
Do avesso e contrai doenças de olhares.
Se olhares, verá – verso carne reticência.

Náusea que minh’alma cria, a mordaça
De estar preso nos corpos que toquei,
Nas mágoas que calei e frio, não adormeci.
Há séculos meus olhos chovem escuridões.

Há belezas vermelhas nos dias que sangrei,
Conjunções acamadas no silêncio, rios de gemido.
Antros, desilusões com anjos mortos de mim.
Fui todo um poema, morri em métrico suicídio.

Foi-me absoluta preposição, nudez e lágrima.
Fui figura de linguagem em tuas torturas reais,
Escravo da tua norma inculta, nuvem branca,
Afável criança que se precipita no quedar-se.

Aconteci doçuras, morreu-me sonetos de abandono.
Revirei entranhas nos lençóis de infinita maciez,
Bordados de crueza pueril sobre a dicotomia dos corpos
A separar-se em luas, e serem na sombra todo eclipse.

Jônatas Luis Maria

Flor de Lúcifer


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Toda tristeza que me salta, é constelação.
Ética é só comportamento. Moral é minha casa.
Ninguém me habita, ou pró-cria. Cria sem amor.
Ninguém me causa, mede, compreende. Lucidez. Lucifer.

O corpo que habito, é pele que desisto, catalepsia.
Sem anestesias ou êxito. É por mau hábito que ilumino.
Acidento. Remendo quem me fui. Outorgo, desisto.
Insisto. Fera que se reconstrói. Aturde, molesto. Incesto.

Estrela da manhã, portador da luz – Inatingível!
Dê-me tua pax, se possível! Dá-me caos inigualável.
Assombra-me poder do rito, e recrio tua verve verme
Nos conselhos, filosofias quais, exalam em teu grito.

Rasgar os mitos. Congelar as lágrimas daqueles que rezam.
Morre em mim um eu que o sonho construiu e Cristo matou.
Cresce a família, definha o indivíduo. Desiste.  Em qual morada?
Daqui me acende o hábito de sonhar, e imolar todas estas vidas.

Jônatas Luis Maria

Solidão


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Ensaia-se o tempo, e a cena sai d’improviso.
Pintamos o amor na era das fotografias.
Sonhos pertencem a tempo que não houve,
Cena ensaiada, então verossímil, rebenta em nudez.

Ao passo que partimos se partem os corações em silêncio.
Do trato que fizemos ficam os vazios em meio ao vento.
Dos abraços, cintilam calçadas que escorrem toda chuva,
E passantes perpassam apáticos este caminhante invisível.

Não se faz memória de quando o outro havia,
Tampouco diferença se carnaval ou o dia-a-dia.
Sensação dúbia, inquietude morosa. Agonia?
Noites impregnadas de anemia caem lentas e duvidosas.

A casa cisma em manter-se fechada, foge à luz sensível,
Caverna onde vivem selvagens e perigosos pensamentos.
Jaula de memórias que, insatisfeitas, de fome ameaçam.
Havia pássaros na gaiola, já não cantam. Devoraram-se!

Jônatas Luis Maria

Fleuma, Febre, Phobos

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Fui máscara de carnaval, pandemônio,
Em peças de teatro encenei os mortos.
Esbofeteei o tempo, sangrou-me as mãos,
Beijei o infinito. Baixei os olhos, e chorei.



Veio Juno e devorou-me
Fera transcendental do gosto.
Veio a fera, lambeu-me,
Gosto sobrenatural da carne.

Teci de bordados uma Roma de pano
E fiz de um Nero o meu amparo.
E pelo presente desespero, a panos quentes,
Veio Nero apaziguar delírios de uma febre.

Houve uma idade média vagando pelo corpo,
Deixei-a escorrer entre as linhas de minhas mãos.
Depois, a rainha triste que desenhei em croqui,
Fez de minha sombra seu repouso vitoriano.

Vieram doutores, depois os monstros,
Os moinhos todos, e nem canções havia.
Encerrei, pois, os monstros dentro n ‘alma,
Rechacei moinhos, e nem canções houveram.


Jônatas Luis Maria