Incompletudes


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Preciso ir para casa. Não me sinto bem.
Mas para qual casa eu poderia ir?
Se todas estão tão cheias de gente.
Em que morada posso ainda ter solidão?

Todas as ruas são encruzilhadas de destinos
E destinos se cruzam, nós das teias de nós
Engendrando uma métrica aonde não há silêncios.
Onde está o vazio? Precioso ingrediente de paz.

Quantas pessoas são coisa que não murmúrios?
Por que tem o mundo a propriedade de propagar o som?
Manifesta-se um desejo cinza, de não ouvir, não ver,
Fechar os olhos e mergulhar abismo infinito, para sempre.

Jônatas Luis Maria

Magnitudes


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Para Camila

Dos pensares que disparo inconsciente,
Vejo teu rosto atrair-me, conveniente.
Vida a materializar-se em tua face;
Ali vive meu amparo, e ele tão somente.

Reformular estéticas é ter-te entre velas, seminua,
Pintar a métrica em aquarelas de verdades cruas.
Ser no instante, o beijo que se perdeu em danças,
E tua criança, miragem, mira-me vicissitudes.

Se tua voz diz-me eu te amo em várias línguas,
Meu coração ao que resta, é afirmar-te solene
Em alegrias ébrias aonde vislumbramos abraços,
Até o ponto imaterial de nossa pele ser suficiente.

Meu corpo palpita em teu ventre. Eis meu amparo!
Confortável, quem além da morte repousa entre deuses
E dali fita o infinito, num descontrole insuficiente,
A suspirar de amores profundos, no auge dos teus olhares.

Jônatas Luis Maria

Existir

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Não tenho pátria, nasci sobre águas profundas,
E meu triunfo é estar em tudo que é imensidão.
Quando em silêncio, calo-me de terremotos,
Quando falo é por bradar revolução dos continentes.

Não tenho ideias, pensamentos, sou apenas instante.
E se percebo, é momento, nunca lembrança.
Ide vós, encontrar tesouros, viçosos, incontáveis.
Eu, busco harmonias nos hiatos de notas de perfume.

Não tenho matéria, porque expresso-me poesia,
Espreguiço-me essências para despertar primaveras.
E vós, que sois uma data, num calendário imaginário,
Não sabeis que me reconstituo em cada fase da lua.

Minha construção tem paredes de vento, e marés,
Fonte de minha vida é primeiro beijo de amantes.
Vagar pelo mundo é quedar-se em constelações;
Sabeis, meu ofício é pintar ilusões, à flor da letra.

Jônatas Luis Maria

A mensageira

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Para Camila

Vou te buscar nas imensidões do azul. No azul,
Viveremos quedas infinitas de amar e em céu e mar
Vou te buscar. No mundo das ideias e dos ideais
materializar tua carne grudada com a minha, eclipse.

Traz-me tuas noticias numa carta amarela de sol,
Traz com ela o teu corpo branco e vermelho, aéreo.
Faz dos meus olhos um desenho, e do verso, carícia;
Abraça-me em tuas asas pueris, asas de mistério.

Põe meu coração na tua balança, e pesa, meça, avalie.
Vê, se pesa ele mais que as penas caídas do teu pranto.
Dá-me um beijo, beijo de todo abismo, um feitiço, coração;
Tua pele fará terremotos em minhas torres de Babel, e papel.

Deixa teu sorriso marcado nas nuvens de inverno, em azuis,
Azul imenso dos sonhos secretos e sensuais, mesangeira,
Que tua linguagem esbarra em minha boca e se decompõe
Em aquarelas. Hoje amor, cantaremos a vida, e nada mais.

Jônatas Luis Maria

Mea Culpa (Ilusões)

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Todas as vezes em que não fui poeta
Foi porque não vivi, à penas passei.


Penso no teu corpo como naturezas possíveis.
Corromper-lhe a linguagem na forma sexual
E pervertida. Inocente e apaixonada. Sincera
E com amor, para violá-lo e encontrar ali a alma.

Teu sofrimento consola-me, oh imaterialidade!
Incendeia-me a alma na véspera da ironia,
Y vive en mi casa todo su dolor, su angustia.
Donc, mon âme est appelée la maison du désespoir.

La luce del giorno, nudo, è pieno di comfort
Ao ver então os corpos que se opõe, amor e dor.
Ich liebe dich nicht. Es ist der Tod für mich,
Je ne peux que dire alors, mon âme, au revoir.

And everything else, n'est rien, mi cariño.
Um eclipse desenhado na essência da carne,
Saudade não existe n’outra língua de Babel,
“Nameless here forevermore” este vendaval.

Faltam-me metáforas, idiomas, poéticas, suspiros.
Sobram teus carinhos oferecidos, e que recusei,
Um niño. My angel, ein Traum, minhas ilusões!
Et pour moi, vous étiez toujours le vent, le vent…

Jônatas Luis Maria

Perséfone

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É crua a vida. Alça de tripa e metal.
Nela despenco: pedra mórula ferida. É crua e dura a vida.
Alcoólicas. Hilda Hilst.

Caos nos teus olhos de sombra sensual e seminua,
Movimento libertino das tuas crinas de negrumes.
Efemeridade de ensandecer retinas nestas hipnoses,
Caleidoscópico desfilar, num sangrar calçadas urbanas.

Destila o ódio do mundo; lábios vermelhos comunistas,
A esconder a tua língua aristocrática beijando espelhos.
Estilhaço do virtual espaço, cáusticos olhares que lanças,
E tua lança fere corações que te perpassam. Alheios e sós.

Dança cosmopolita entre praças de imundícies, espectrais;
Esparrama infinita beleza colorindo becos em preto e branco.
Dissimula dilúvios precipitados na tarde laboriosa do planeta,
Canta pueril nos hospícios, a desdenhar quem por ti enlouquece.

Agitações dos paraísos ardidos em tua carne que acaricia incestos,
Oh triunfo de amar! Olhar sorridente para as próprias impressões.
É na doçura da odiosidade que se prova clássico veneno maturado,
É em seu efeito que se encontra a tristeza mais moderna que existe.

Vidraças irresponsáveis de paisagem do próprio interior entreaberto.
Decompõe a graça em salivante desejo, utopia a desnudar-te inteira.
E quando o faço é só fantasma, d’algum desenho imagético e vulgar,
Teu corpo retalhado de memórias, num cubismo doido que sonhei.

Jônatas Luis Maria

Não Libertarás

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Se teus olhos de lágrimas por ventura,
Escorrer alguma falta, lembra sem medidas
Que sou água passageira em tua retina,
E sou veneno na sobra dos copos notívagos.

Se o mundo inteiro ruir, e ruirá, graças a deus,
Lembra que sou a pedra que desencadeia apocalipses.
Aplauso ao fim de um espetáculo sem plateia.
Lembra-te de mim, feito quem sorri quando aniquilado.

Não tendes piedade de ti, chora mesmo, que desequilibro
A face que escolho em teu rosto, por melhor esvair-me.
E se tenciona ajoelhar-te, para bem beijar os confins
Creia, eu tristeza infinita, trespasso chão que te consterna.

Eu sou a própria culpa. Sem segredo liberto o fátuo grito.
Sou aquilo que reténs em cada dia e que engoles a seco.
Sou os teus reféns, e que por paixão tu não libertarás,
Quem quando rebenta, derrama noites em que me recusaste.

Jônatas Luis Maria

Nêmesis

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Paixão é a flor que o diabo carrega no peito,
Flor-de-lótus que vai crescendo num pântano.
Murcha pela manhã. Cada pétala uma mácula,
Cada mácula um crime. Torpor de maldades.

Emaranhado das carnes e almas, sombra da lua.
Entrelace da vida corriqueira e do verossímil,
A lágrima das correntes, ferrugem consumindo.
Paixão é solstício de inverno, equinócio da tristeza.

Própria semente do humano, liga-se à inconsciências.
Parte a passagem do sol nos arquipélagos do coração,
Corta o dia, fazendo-o sangrar tardes de chuvas infinitas,
Queima bandeiras que no peito agitas. Anarquiza hábitos.

Paixão é força que delimita. Limiar das fleumas trêmulas
Das convulsões e espasmos. Dos cômodos vazios, abandono.
É graça cheia de bruxaria, espinho nascido em flor mais bela,
Paixão. Enraizar-se n’outro que não tu, perecer na febre alheia.

Jônatas Luis Maria

Messalina dos séculos

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Descobrir a mágica das noites infinitas;
Transformar em miasmas as revoluções.
Crânio apedrejado das violências do pensar,
Tecido morto, coberto de religiosos hábitos.

Jogar nos signos; e o jogo é a máxima que trai.
Transar com tudo que vive, gozar então a morte.
Arrebatadoramente romper a cortina do amanhã,
Prostituta a quem confessar todo crime, todo tédio.

Resta um beijo ainda, depois o pânico!
A puta amarga dos incestos não tarda renascer.
Ajoelha-te ao deus de piedades, divindade do vazio!
Lambuza-te entre as pernas de Valéria. Cria Cláudia.

O rastejo das víboras é o caminho histórico da estética.
Sua língua: progenitora de todas as filosofias narradas,
E esta fala inunda de orgasmos todas as mães do mundo
E todos os filhos são do Arcanjo guerreiro, fetichista.

O homem é filho das imundícies, e filho de Eva...
Tantas Evas beiram esquinas encardidas, por um beijo.
Tantos beijos partem o coração do poeta, bastardo
Das gerações inglórias, cravejado de noites tão malditas.



Jônatas Luis Maria