A Flor que habita

____________

Se eu chorar,
Deixa-me popular, quase povo
A derramar todo filho que partiu.
Compõe dos meus olhos solidão,
Deixando a lágrima de refrão.

E se sorrir,
Fazei de mim todo mar
Onde barco algum há de se perder.
Deixa-me ondas de maré mansa,
Lentamente a inundar o silêncio.

Se eu viver,
Plantai uma flor entre minhas chuvas,
Colorindo esse nosso eterno inverno.
Fazei de mim teatro, ato de improvisos,
Deixando-me cenas de absurdo.

Se eu morrer,
Fazei uma festa onde deus não entra
Mas o amor não sai.
Fazei das lembranças um verso,
E queimai o que restar.


Jônatas Luis Maria

Falecer

"Se eu morresse amanhã, viria ao menos
Fechar meus olhos minha triste irmã;
Minha mãe de saudades morreria.”


Álvares Azevedo

É preciso coragem para aceitar-se finitude
E muita dor para encarar tal brevidade.
Se fosse linguagem, nem reticências seria.
Se fosse linguagem, seria o ponto final.

E fosse tudo outra vez? Quão bom seria!
Mas no tempo do mundo não há futuro do pretérito.
Se fosse música, nem pausa seria.
Se fosse música, um acorde final.

Todas tuas construções são de vento,
Poças d’um punhado de dias, em mar sem correntezas.
Se fosse poesia, seria verso pra quem fica.
Se fosse poesia, apenas esquecimento.

É descabido ao homem tudo que é finito.
Pensa então, como é nunca ter estado.
Se é a vida, nada mais existe.
Se é a vida, é do verme qualquer lembrança.

Jônatas Luis Maria

Letárgica


__________

para Joel Luis Carbonera



– Eu sou Nix, a domadora dos homens,

Filha do Caos, madrinha das que saúdam Macbeth.
Meu corpo é a noite, minhas vestes o terror,
Adentrai os meus antros, tenho sede de amor.

– Eu sou Nêmesis, a inevitável. Filha de Nix
Adotada pelas Moiras, castigo deuses.
Cresci entre os fios das tuas vidas que ceifei,
Nos altos e baixos húbris da roda em que giraste.

– Eu sou Gaia, irmã de Nix. Mãe de tudo que nasce,
Floresce meu ventre toda volúpia em primavera.
Quem bebe do meu seio, adentra-me nas entranhas,
Retornam ao meu útero os filhos de Urano.

– Eu sou Tétis, filha de Gaia. A avó.
Matrona do primordial a jorrar pelo mundo.
Em meu âmago flui toda água que é vital,
E ancestral, todo leito que n’alma se derrama.

– Eu sou Lethe. Filha de Éris, direta de Nix.
Minha mãe é discórdia, meu ventre o vazio.
A ocultação do ser jorra-me às faces, também os mortos.
Nasci no Hades, mas vivo no coração dos homens.

Jônatas Luis Maria

Carne Poética

____________

Para Douglas e Renata.


Toda pele retalhada de desgraças
e a graça desmedida em toda pele.
Toda taça é conjuntura de cacos
nas peles que rasgar-se-ão por acaso.

Como sangrará a vida alexandrina!
Sem rimas, e  no calabouço do tempo
estender-se-á tal mágoa, tão ferina
que estéticas fugazes serão tragédias.

Ainda assim toda carne libertará!
Rasgada e nua renascerá poesia. E crua
inundará azeda os lábios libertinos
quando todo verso versar beijos de adeus.

O poeta, feito um canário louco
cantaria uma canção no céu devorada
a despertar tantos mortos de suas lembranças
e todos monstros no coração dos homens.

Jônatas Luis Maria

Canções de ninar

para Juliano Dupont
__________

Que me importa? Tristeza inefável
se me abocanhas o calcanhar e cravas
teus dentes no instante de meu decolar?
Beijar o chão me é tão viável quanto as nuvens.

Não há Hugo no meu ego. Rimbaud talvez,
mas passara-me então o tempo de morrer.
Sem quintanares em meu quintal pequeno,
volto-me ao interior de meu interior, o que possuo.

Se numa força indefinível rompo tuas correntes,
atiro-me inteiro ao infinito, sem consequências.
Desfaço em pensamentos meu corpo intocável,
Desepareço nos ares, pairando sobre amores eternos,

Deleite indelével a esquecer-se do amanhã.
Mas quando cantas em meu coração sombrio,
Me encantas, e renasço em flor mais bela.
Tu sempre estarás lá, prendendo-me à realidade do chão.

Jônatas Luis Maria

Ode Brasileira




À Marco Feliciano



Nasceste abortada,
no parto já mataste tua mãe,
pequena matricida!
Renega a própria natureza, ninguém se opõe.
Que é feito de crime tudo que te compõe.
Tua história recente,
jorra miséria sem batalha.
(Esquece! É carnavalha!)

Desde cedo meretriz
aprende-se vender-se fácil,
quando a fome é quem nos diz:
o caminho reto e curto é o de lácio.
E foi assim que a todos deu-te tão dócil:
“Minha pequena puta”
Disse o velho mundo à tua conduta.

Mas o velho todavia,
adora ver-te toda aberta.
Abriu-te inteira via,
e por teus portos deixara-te descoberta,
e a sífilis como herança certa.
Tua eterna mocidade
deu ao velho toda virgindade.

Hoje já és matrona,
trabalha feito máquina a vapor
a sustentar nova dona,
q'inda foste dada, depois de toda dor
a tua irmã bastarda, que com ardor,
cultiva tua entranha
mesmo à cultura sendo estranha.

Tiveste tantos filhos
vil pátria, renegas a cada um;
Certos de seus encilhos,
asnos que lhe carregam a lugar algum
reforçam tua genética, e de tão comum,
apenas por seu odor
moralista, separam-se por cor.

Mas tens os teus diletos.
Eles representam os teus ideais.
Os vermes mais seletos
a devorar irmãos, em meio a tantos ais.
Suor ou labuta, nestes se vê jamais.
Parasitas em teus seios
Lhe chupam até ficarem sem anseios.

Mas ainda está por vir
o mal maior em tua triste sina:
Asnos de cristo a rir
levar-te-ão o espírito pelas crinas,
e a relinchar e morder, violarão tuas meninas.
Não nos serão clementes,
mas tu, mãe gentil, és conivente.


Jônatas Luis Maria






sine die

___________


Então meu corpo catedral em desamparo
Revive o drama d’uma pele desespero.
Desolação inunda janelas de meu século.
Despertar é suspiro d’ainda pertencer aqui,

Então meu desamparo catedral do corpo.
Drama em desespero que revive a pele,
Inunda séculos minha janela. Desolação
De ainda despertar suspiros, e pertencer.

Que despertar suspira a quem pertence?
Da Janela desolada inunda todo um século.
Que desesperos há num drama a cada pele?
Tua catedral incorpora amparos desde então.

Aqui pertence um suspiro em cada despertar,
Um século de janelas inundadas em desolação.
A pele dramática revive a cada dia o desespero
De ver então, teu corpo catedral em desamparo.

ad æternum

Jônatas Luis Maria