As mil e uma noites

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A face precoce destas dores é estrela-guia às reminiscências:
Facas cegas de fé adornando todo mito, toda caverna;
Antes, pedaços de pedra lascada, depois, aço inoxidável.
Hoje carnes entrelaçadas, amanhã o sentimento de perda.

Não há museu que guarde tanto passado, nem ciência a prever toda mudança,
Nem há crença que traga esperança, nem sótão para guardar os brinquedos.
Não há álbum de fotos que não possa ser queimado,
Nem água turva onde a jóia possa ser escondida.

Não há Fausto nem paraíso perdido, nem escura floresta nem caminho para as índias.
Se em toda madrugada me refaço iguais a tantos
É pra manter-me perto ao teu disfarce. E se tu nunca vens
Recolho-me ás minhas madrugadas, e beijo o teu desdém.

E serias tu, tal qual eras antes? Ou somos nós ainda mais modernos?
Seria eu alguma diferença na soma de todos estes dias de inútil distância?
Somos na verdade as doses todas que bebemos, e estamos grudados
Ao coração dos velhos encontros e das mesmas mesas, aonde houve desencontro.

Rasgo-te em migalhas nos discursos. Choro depois os remorsos.
Atiro flechas em direção à tua retórica, e o alvo era ainda o coração.
Quem sabe assim eu te matasse, ou assim eu me morresse,
Quem sabe na sobra dos versos e dos dias, haja ainda qualquer coisa de paixão.


Jônatas Luis Maria