Madrigal Manhã

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Esta caligrafia é risco fundo nos olhos borrados da noite,
Novela clichê no caminho da odisséia que resta.
Drama derramado na carne, e carne se derrama na chuva,
Diverte-se vermelha viva nas entrelinhas do amanhecer.

Condensada noite no vadio vagar da manhã
E este sombrio que lhe salta à cara, retalha egos
Dos que ficaram tatuados na costura da madrugada.
Marcados e lacerados pelas linhas dessas mãos pueris.

Liberta-me, tu que é mito! Urze nossa mácula.
Deixa que eu dilacere-me pelo céu do infinito,
Feito ave de rapina que se estraçalha no universo.
Dança a criança sensual e leve, no virtual amanhecer,
Avança adiante ao carnal que excita, e grita em seu gemer.

Arde em febre a criança, ao morderem-lhe o seio aflito
Abocanha a rua e a rua se consterna, carrega de perfumes
O cheiro dos bueiros. Amordaça essa boca pequenina
Com dias de Madame Bovary, transitando por toda a culpa
(Todo tédio).

Arranha a vastidão da fome, e desfila pelo mundo
Em sobressaltos de assassínios supersticiosos,
Desenhados nesta pele de poesia pós-moderna.
Retrata o drama do poeta com cinismo e libertinagem.

Guarda este papel como hóstia sagrada entre as pernas.
Menina de madrigais aconselha a menina dos olhos
A não chorar o leite que vaza nas calçadas. Ela sabe:
Quem chora torna a noite estrelada, rabisco n'alvorada.


Jônatas Luis Maria

Os Miseráveis

A Victor Hugo

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Ao raiar da alma o homem é infinita pureza,
É esse anjo, imagem e semelhança de deus.
Ao crescer, o desprezo lhe vai tomando o coração
Vagarosamente, qual desespero lhe toma os olhos.

E quando? A que momento se passa esta cena fatal?
Ora! É, pois, quando o homem dá de cara com a miséria.
A miséria é para ele, a irmã perversa da morte, e esta,
Misericordiosa, há de levá-lo de uma vez, a miséria não.

Carrega-lhe aos pedaços, ano a ano, dia a dia, cruel.
Lhe pega de assalto pela consciência, este deus,
Que nasce com agente. Vai mutilando-a aos poucos
E quando parcos, nos apercebemos, somos a imundície.

Somos o coração podre da sociedade, que é caridosa.
Tão caridosa, quanto a própria miséria o é. Sutilmente
Levando-nos tudo aquilo que nos dera com a outra mão.
E resta-nos, a meia vida, senão um punhado de migalhas.

Pouco a pouco, poucos sobejos nos vão contentando,
E ao final, nada nos resta, e nos é suficiente. Preenche-nos.
E vazia, nossa consciência, depois de penares e horrores
Descansa em paz, no jazigo de nossos crimes tremendos.

Finalmente, carne, osso e ideais enfermos, em agonia,
Compõe o que um dia foi tão belo, inocente e sonhador.
Então, esta carcaça que outrora teve um nome, jaz fria;
Migalhas de sonho a tentar o sono. As sobras o deixam, o demônio não.

Jônatas Luis Maria

Navegar o Sol (Bossa Nova)

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Amor meu grande amor,
Aqui quem fala é saudade,
Que passa nestas linhas
Caminhando sem pretensão.

Amor meu grande amor,
Aqui quem fala é afeição
Encontrando a saudade
Pelos caminhos da canção.

Amor meu grande amor,
Aqui quem fala é solidão,
Que passa pelas ruas
Nestas linhas de doce inocência.

Amor meu grande amor,
Aqui quem fala é pôr-do-sol,
Que vai dormindo sozinho
No horizonte dessa ausência.

Amor meu grande amor,
Aqui quem fala é coração
Procurando uma velha certeza
Cheia de novos horizontes, aonde o sol,
Devagarzinho me vai levando de ti.

Amor meu grande amor...

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Jônatas Luis de Maria