Fazer-se Feitiço (Jeanne Duval)

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Sou um sentimento profundo. Um poema Singelo.
Suntuoso e fátuo, cheio d’angústias e de tristeza.
Languida e diminuta noite, trazendo o luar mais belo.
Fora um rosáceo perfume, derramado em sutileza,

Transfigurado em tom nefasto de azuis, e amarelo,
Libertando a mística das cores frias da natureza.
Assim, feito em vapor, a essência tida em paralelo
É qual’um veneno puro. Abominável licor dessa crueza.

Qual que prova, ébrio, o monstruoso amargado gosto,
Será sempre louco, de sangue torpe, e tal qual poeta,
(O errante nato) de lacrimosa face a formar-lhe o rosto.

Este que terá na morte, sempre a companhia predileta;
Do desespero, o frio inseparável; só por desgosto,
No amor lhe será Angústia, das noivas a mais seleta.

Jônatas Luis Maria

Madrigal Manhã

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Esta caligrafia é risco fundo nos olhos borrados da noite,
Novela clichê no caminho da odisséia que resta.
Drama derramado na carne, e carne se derrama na chuva,
Diverte-se vermelha viva nas entrelinhas do amanhecer.

Condensada noite no vadio vagar da manhã
E este sombrio que lhe salta à cara, retalha egos
Dos que ficaram tatuados na costura da madrugada.
Marcados e lacerados pelas linhas dessas mãos pueris.

Liberta-me, tu que é mito! Urze nossa mácula.
Deixa que eu dilacere-me pelo céu do infinito,
Feito ave de rapina que se estraçalha no universo.
Dança a criança sensual e leve, no virtual amanhecer,
Avança adiante ao carnal que excita, e grita em seu gemer.

Arde em febre a criança, ao morderem-lhe o seio aflito
Abocanha a rua e a rua se consterna, carrega de perfumes
O cheiro dos bueiros. Amordaça essa boca pequenina
Com dias de Madame Bovary, transitando por toda a culpa
(Todo tédio).

Arranha a vastidão da fome, e desfila pelo mundo
Em sobressaltos de assassínios supersticiosos,
Desenhados nesta pele de poesia pós-moderna.
Retrata o drama do poeta com cinismo e libertinagem.

Guarda este papel como hóstia sagrada entre as pernas.
Menina de madrigais aconselha a menina dos olhos
A não chorar o leite que vaza nas calçadas. Ela sabe:
Quem chora torna a noite estrelada, rabisco n'alvorada.


Jônatas Luis Maria

Os Miseráveis

A Victor Hugo

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Ao raiar da alma o homem é infinita pureza,
É esse anjo, imagem e semelhança de deus.
Ao crescer, o desprezo lhe vai tomando o coração
Vagarosamente, qual desespero lhe toma os olhos.

E quando? A que momento se passa esta cena fatal?
Ora! É, pois, quando o homem dá de cara com a miséria.
A miséria é para ele, a irmã perversa da morte, e esta,
Misericordiosa, há de levá-lo de uma vez, a miséria não.

Carrega-lhe aos pedaços, ano a ano, dia a dia, cruel.
Lhe pega de assalto pela consciência, este deus,
Que nasce com agente. Vai mutilando-a aos poucos
E quando parcos, nos apercebemos, somos a imundície.

Somos o coração podre da sociedade, que é caridosa.
Tão caridosa, quanto a própria miséria o é. Sutilmente
Levando-nos tudo aquilo que nos dera com a outra mão.
E resta-nos, a meia vida, senão um punhado de migalhas.

Pouco a pouco, poucos sobejos nos vão contentando,
E ao final, nada nos resta, e nos é suficiente. Preenche-nos.
E vazia, nossa consciência, depois de penares e horrores
Descansa em paz, no jazigo de nossos crimes tremendos.

Finalmente, carne, osso e ideais enfermos, em agonia,
Compõe o que um dia foi tão belo, inocente e sonhador.
Então, esta carcaça que outrora teve um nome, jaz fria;
Migalhas de sonho a tentar o sono. As sobras o deixam, o demônio não.

Jônatas Luis Maria

Navegar o Sol (Bossa Nova)

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Amor meu grande amor,
Aqui quem fala é saudade,
Que passa nestas linhas
Caminhando sem pretensão.

Amor meu grande amor,
Aqui quem fala é afeição
Encontrando a saudade
Pelos caminhos da canção.

Amor meu grande amor,
Aqui quem fala é solidão,
Que passa pelas ruas
Nestas linhas de doce inocência.

Amor meu grande amor,
Aqui quem fala é pôr-do-sol,
Que vai dormindo sozinho
No horizonte dessa ausência.

Amor meu grande amor,
Aqui quem fala é coração
Procurando uma velha certeza
Cheia de novos horizontes, aonde o sol,
Devagarzinho me vai levando de ti.

Amor meu grande amor...

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Jônatas Luis de Maria

Luz em Sombra (dadaísmo)

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I - Eclipse

Carregar cores em antídotos
Essencial vestindo-se de ver.
Fumaças, forças entre véus;
Soturnos, filhos do entrevir.

Vagar vultosamente vazios,
Ventos em linhas onduladas.
Xadrez descontinuado dos retalhos,
Lunáticos vivendo no sol.

Sozinha vinha perdida na floresta,
Cintilante estrela desvairada sem nascer.
Lápides não escritas, por lápis do tempo,
Desenho pueril do que não é.

Desperto, disperso, flor do delírio.
Espalhado espelho na beleza do caco,
Refletido instante de todo outrora.
Diana tribo retida na refração solar.

A rua abandonada no abandono das ruas,
Das coisas que esqueceríamos...
Mas nós não esquecemos. Misturamos
Essências de cores para nos salvar,

Deixando assim a vida
Num tom acinzentado claro,
Acidentado e morto.

II - Sombra

Piramidal estado de viver, não viver.
Espírito tão somente espírito, espasmo,
Espreito olhar do animal em perigo.
Pingo, nota de piano, piar de águia.

Raridades. Diamante bruto na caverna,
Um beijo entre mendigos na rua.

Exílio. Exímio estado intrínseco,
Matéria permissiva do estilhaço.
Mortal. Vivendo lascivas imortalidades,
Vampiros ao final, por carnes indizíveis.

III – Luz

Neutralizo-me e viro fera flutuando
No mar de inconsciência sem porquê.
Vejo-me fera. Fera fractal estritamente nula;
Flutuar, sobre neutralismos silenciosos.

Num frasco que carrego contém você.
Amar o estrago dos corações. Nus!
Ao amargor de eras crescendo no tempo,
Ao negror da noite uivando com lobos,

Improvisando com lobos, Lucius, anjos,
Lunas! Nuevas lunas a bailar.
Recantos obscuros tocados pela morte;
Invasões, evasões, migração e corações.

Dispersos corações, perdidos pelo dia.
Encontram-se, conversam e se partem,
Parto de dor, da passagem do sol.
Dia após dia, um a um, visto. Vestido.

Tudo se congela em tua essência
E neste aéreo som áureo, uma luz,
De fazer sombra onde não toca,
De se morrer para quem não tem.

Tu és o ir e o jamais voltar.
Por isso é estar sempre presente.
É tu aquilo o qual viveram todos
E vivem eles todos, dentro de ti.


IV – Reflexos

Se tivesse apenas um tanto
De compreensão comigo
Calar-me-ia e seria apenas
Uma mágoa.

Entretanto meu ego acredita
Numa certeza que é só dele
E não controlo. Desvario
E creio.

Crença daquilo que conquisto,
Ora não há posse. Não há nada.
Existe sim um sonho, desvairado
Só meu.

Um fantasma absoluto. Contrapondo
Aquilo tudo que por ventura fui eu.
Hoje descrevo em primeira pessoa
De alguém.

D’uma alma tão avessa, suprimida,
Um corpo que envelhece, longe daqui.
Verso vivendo sílaba à sílaba
À sobriedade da escrita.

Ser vagando conjuntivo
Cativo, ora se não uma sobra
D’um mim soluço saliente
Daquilo tudo silenciado.

A triste realidade assolada
Dia a dia adquirida, um ver
Quadro a quadro do que não chega
Jamais.

Nessa crença mistura-se todo 1ser
Todos nós, toda cor, e as formas,
Criando pessoa alheia na visão.
Um contraponto.

Um lúcifer na horda cabalística,
Ou Gabriel, mundano que vivo aqui.
Ou ainda os dois, contra um todo viciado,
Visceral.

Porém uma transgressiva perspectiva
Invade espelhos e Déjà Vu
Refletindo caos interior para só diferir
Uma ordem.

Inimigo do tempo. Inquilino em teu colo
Não iluminado. Não ascencionado, nem nada.
Um sonhar investindo no fim...
Investindo ao fim, na luz que não temos.

Jônatas Luis Maria

A vida que vale a pena ser vivida.

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Na vida do homem, aonde se insere a liberdade? Poderia afinal existir um conceito fundamental que define liberdade, ao passo que estamos condicionados a viver em sociedade? Como pode, ao mesmo tempo, existir um homem livre, e todos os homens livres?

Para pontuar nossos conceitos, poderíamos focar nosso discurso em um dos critérios da definição filosófica de liberdade: a busca da felicidade. A felicidade por sua vez consiste no bem, no belo e, no sublime. É feliz o homem que pratica o bem, que busca a beleza e que contempla e reflete sobre aquilo que é sublime, mesmo que sua reflexão a cerca do sublime baseie-se inteiramente num processo de fé.

Seria então correta a conclusão: é livre todo homem que é feliz? Sim. É correta. Mas é correta, apenas se partirmos do pressuposto que a busca da felicidade obedece necessariamente não as leis morais, mas a moralidade em si mesma. A lei vem depois. Todavia, a moralidade não é um conceito a priori, mas sim algo que desenvolvemos ao longo do tempo, assim como tantos outros conceitos metafísicos. E este, é um papel que cabe a linguagem, a cognição e ao raciocínio lógico.

A moral em si mesma é estritamente dependente da autonomia da vontade e, a autonomia da vontade é fundamentalmente livre, não pode ser aprisionada nem aniquilada enquanto existe o homem como ser em si mesmo. Entretanto, para que se tenha um resultado satisfatório no desenvolvimento da autonomia da vontade, faz-se necessário dilatar esta autonomia, e este acréscimo começa com o cuidado de si. Não pode respeitar o próximo, o homem que não respeita a si mesmo. Corpo sano, mente sana. Eis aí um dos princípios de liberdade, autonomia e felicidade que perdura a mais de 2200 anos.

Quem respeita si mesmo e, além disso, reflete sobre isto, respeita o próximo porque desenvolve suas virtudes e cria para si um senso de justiça. Claro que a justiça não pode vir a ser um senso individual. Aí vale o imperativo categórico. E é por isso que devemos fazer uso da razão, que analisa o passado e reflete sobre a mudança. E se for preciso errar para acertar mais tarde, que seja. A humanidade, assim como o homem, um dia foi criança. O processo de amadurecimento de um organismo se dá pela passagem do tempo.

Através da razão chegamos ao consenso da lei. E a lei deve ser dinâmica e estar sempre sob analise da razão. Aquilo que é instituído, e a própria instituição, devem ser constantemente revisados. A própria natureza tem seus ciclos de renovação.

O homem que cumpre a lei, não porque é lei, mas por ter ciência de que é seu dever cumpri-la, e questioná-la quando necessário, é o homem que encontrou a harmonia no convívio com seu semelhante, mesmo na condição de seres passionais. É o homem comedido, que soube ponderar entre o mundo natural e o mundo inteligível, o mundo da escolha pela autonomia da vontade. Este homem é feliz porque tem autonomia para buscar aquilo que crê. E este homem é também livre. Porque mesmo que não encontre aquilo que busca, sabe que tem o direito, e também o dever, de procurar.

Jônatas Luis Maria

A Flor dos Reflexos

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Uma bomba relógio aqui no peito
Palpita desregrada. Múltiplas explosões.
Mandar o eu lírico ao quinto dos infernos
E descobrir então, que o inferno sou eu,
E quinto de mim: poesia.

Todas as vezes ao dia em que morro,
Renasço num pedaço mais adiante.
Mais constante, mas ainda instante.
Menos perplexo, muitíssimo constituído
Dos pedaços de quem perpassa meu viver.

Vagar entre pequenos delitos, furtivo.
Achar-se parado na tônica do verso,
E dali, ver o mundo, e mais que o mundo
E deus e o infinito. E tudo ser pequeno,
Mas ao mesmo tempo tão maior que eu.

E tão menor que você, que é grande,
Gigantesco em minha ignorância lúdica,
A pensar que sou ainda pedaço de criança
Vivendo entre demônios na escuridão,
Idealizando encontrar os anjos, talvez em você.

Jônatas Luis Maria

Subversivo de Espelhos

(Os Fetiches da projeção)
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Vieste, e fizeste bem. Eu esperava,
queimando de amor; tu me trazes a paz.
Safo


Todos os outros vivem. Eu sonho.
Metafísicas na minha cabeça confusa.
Um Breton sem manifestos. Um papiro
De variações oníricas, jogos de inconsciência.

Translações em aforismos falaciosos.
Floração incompleta sempre imatura,
Então, a natureza tende esquecer-se,
E o sonho faz-se o terceiro sublime.

Aquele que desregra, decompõe o espaço.
Dinâmico tempo de múltiplas instâncias.
Aqui jazem todas as metáforas, insânias;
Casa de Safo e Hermes no intestino do Caos.

A ti toda volúpia, confusão que o corpo destrói.
Graças aos teus irmãos Ícelus e Phantasos!
Meu grande amor dos infernos! Fetiche do virtual:
Minhas mãos não se cansam de tocar em você.

Jônatas Luis Maria

Entrelinhas (2005)

(A Chico Buarque de Holanda)
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Vai! Você pode ir,
E não esqueça dos detalhes,
Por favor:

Leve seus brincos, traga o colírio.
A leitura deixou meus olhos cansados.

Deixe tocando Buarque de Holanda,
Assim a lua, quem sabe, entra pela varanda.

Ponha a bandeira a meio mastro,
E por favor, não dê mais um passo.

Tranque as janelas e vá embora.
(Quero que você fique fora)

Separe a distância
Entre o chão e o teto.
Se passar pela estante
Amarre o dragão lá por perto.

Deixe os coringas
Entre copas e espadas,
Tome seu drinque,
Desvie as flechadas.

Compre cigarros
De filtro amarelo,
Plante um jasmim
E um cravo vermelho.

Tome meu vinho e quebre a taça,
Quero beber mesmo é cachaça.
Não esqueça de regar a folhagem.
Peça sedas, e boa viagem...


Ode à Loucura (2005)

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Na falsa métrica dos dias
Perder-se no tempo verbal.
Os dias em que sorririas,
Transformar em carnaval.


Jônatas Luis Maria

O Ciclo da Criação

(2005)
À Mary Shelley
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Crio-te, Criatura,
Feito do criador.

Alimento-te, Criatura,
D'um sentimento de pavor.

Ensino-te, Criatura,
Arte e esplendor.

Assisto-te, Criatura,
Destilando todo horror.

Destrua-me, Criatura,
Nada mais tenho em teu favor.

Cria Criatura. Cultiva com calor
E perpetua o ciclo desse amor.

Jônatas Luis Maria

Humano demasiado humano!

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Partida em cacos a minha visão
Nossa canção já começa pelo fim.
Tudo que se vê é a morte
E a morte mora ainda na razão.

Dia-a-dia em flor, em poética concretista.
Dia minimalista, dia morto, dia sem sol.
Nunca houve a luz, senão uma lâmpada.
Cotidiano de cocaína e capital.

Vida de horrores, de horrores e nada mais.
Vida de silício, de plástico e mau humor.
Vida vaginal de proveta, vida de gaveta.
Vida vida vida: A grande mentira cósmica!

Vamos viver e completar este ciclo natimorto.
Somos tetraplégicos e recheados de tumores.
Oh filosofia, que enfie o Sartre no Kant!
Somos a internet, e as ninfetinhas pós-modernas.

Somos a Intel e há caca-cola nos curtos-circuitos.
Somos à prova d’água, e no entanto, afogados no parto.
Interatividade mórbida no ventre da geração 2.0.
Ah texto irrelevante: Vá trepar com Fernando Pessoa.

A vida é uma puta, cheia de máculas, e hoje,
Ganha esta puta a sua prótese tão mecânica.
E se conecta na inter-orgia, uns nos rabos dos outros.
Sejamos a molécula seminal enfiando a vida no PC.

Sejamos o parto da criatura mais vil!
O pedaço de Ser mais limpo que existe.
Sejamos uma adolescente gritando Google;
E Nietzsche chuparia a irmã, sem remorsos virtuais.

Jônatas Luis Maria

Lótus e Lis

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Nunca um Rimbaud beijara-lhe
O corpo maculado de crimes funestos.
Prostituta alguma lambeu-lhe as chagas noturnas.
Tampouco os pássaros deixaram de cantar
Quando presos na gaiola do habitual.
Antes pelo contrário, morreram em sinfonias.

Todo o sentido do mundo encerra-se numa palavra.
E palavra alguma faz algum sentido.
No rosto dos assassinos há sempre um sorriso.
Na pena dos poetas, sempre um pesar.
Há todo um delírio naquelas flores brancas
Quando murcham ao amanhecer, e o amanhecer.

São todos vultos, trespassados em meia-luz,
Que se cortam a meio-olhar e perdem-se pelos bares.
De bar em bar, corpo em corpo, nos toma de assalto a vida
E em cada noite planeja-se o crime de ser e não estar,
Porém jamais houvera o amanhã para comemorar,
E quando nos apercebemos, já é hora de dormir.


Jônatas Luis Maria

A Piedade dos anjos

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Pratico tua beleza.
Tua beleza toda que morre
Diante à poesia e fenece,
Flor do dia-a-dia.

Lembro teus escapes, tuas fugas,
Cada suicídio que cometera;
Foram tantas noites violentas!
Angustias divididas e dividimo-nos.

Pedi aos anjos, condolente, que houvesse
Um carinho ao menos, e tive tanto!
Derramei-me então, ao fim do assunto,
E rolou pelo chão uma carícia que não foi.

Dê-me por favor um amuleto,
Uma insígnia protetora certa.
Dê-me uma noite de paz sem sonhar.
Mostra um pedaço qualquer do amor.

Mostra talvez com os olhos,
Ao menos um signo a nos traduzir.
Fala como se aprende com os erros
Dizendo que a simplicidade das coisas,
é sempre fatal.

Jônatas Luis Maria

Niké

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Liquidifica esta fragrância em meu peito
Que faz a minha alma estar perfumada.
Então ter-se-á essências, talvez de ausência,
De nutrir nossas faces chorosas de espelhos machucados.

A beleza! A beleza toda infinda! A Vitória!
Há dias a vida é só uma estratégia, de retalhos.
Protège de l'enfance mon cœur attristé.
Adormece tuas febres no meu peito coroado.

Diz de alegrias, que és tu, o maior dos brinquedos
Cravado em silêncio num coração filho único
Que só a ti tem como diversão, infinita e profunda.
Spielzeug aus der Kindheit, meiner ewigen Liebe.

Tua lembrança é um gole de Cabernet
Vermelho frutado do amanhecer para Nice.
Um pós-moderno sem medidas, sem cor.
Um preto e branco vulgar nas telas do efêmero.
In te, tutta l'arte è gioiosa dolore.

Tão frágil frente a beijos morrendo! Sentir. Sem ti,
Sou cinza, na ausência do abraço perdido, perdido
Em noite de encontros em meio à chuva frágil fria.
Pedaço de caco da noite que sobra soturna nas nuvens
Y tenerte es crear un trueno entre los dedos.

Teu corpo é veludo! Espinho. Crisântemo,
Acorde de cordas elétricas, ressoando ressacas,
Teu corpo é veludo nestes invernos memoriais tão frios!
My childhood history, my fairytale. My lullaby.

Jônatas Luis Maria

O que dizer...

Depois disso?

Eu te amo. Sempre te amei. Nunca te esqueci.

Juno

(Jules e Jim - a François Truffaut)

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Instante de vislumbrar o mundo, da janela,
E ver feliz como tudo acontece. Equilibrado
Entre uma xícara de café e um cigarro. Atônito.
Eis aonde tudo acontece: A janela em seu mistério!

Ah se me cai bem! Este girar eterno, distante,
Enquanto eu, parado, miro esta longínqua mecânica
Tão longe quanto as paixões que sonhei na infância.
Neste horizonte nada tarda, porém fenece, e recria-se.

Aonde oh alma deixam-se teus vagares, escassos?
Numa devassa nuvem negra que céu da vida enlouquece,
Aonde? Nos vales do desperdício, qual ócio delimita?
Amanhece, pois, nascente d’um raiar do sol somente.

E o enxergar d’alma de oriente reflete e vê, estritamente,
Um novo mundo. Adolescente eterno a gozar em prima via
E em todo dia refazer-se em toda gente. Entrecortado vejo
O espiral infinito, e o eterno vislumbre é um único amor,
E ele tão somente!

Jônatas Luis Maria

Anunciação (Lamentos de Sophia)

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Ser-me a nulidade em si mesma apropriada,
Qual literatura reverberando pelo tempo.
Carregando premissas e variáveis desconexas,
Restando em suma, um vazio em recorrência;
Tenho-me assim, aquele que deriva do caos.

A soma das idéias decorre em número irracional
De infinitas casas decimais nunca a completar-se.
Toda poesia foge a lógica sem carta de adeus,
Deixando alma presa ao peso atômico sem medidas
E o corpo em cacos faz-se objeto incompreensível.

No austero dia da iniciação particular da matéria
Brotara semente filha da inexatidão do resultado.
Desabrochou feito cria imaterial do cosmos, poética,
Germinando quântica tristeza subatômica condensada
Nos milhões de anos subsequentes a esta lágrima no rosto.

Esta roda reacionária tão ilusória quanto um sorrir
Metafisicamente se desfaz em espiral e vive-se,
Confortável sensação de que nada foi assim outrora.
É a reminiscência criacionista da indiferença glacial;
Igual estes olhos, numa primitiva lástima, sem igual.


Jônatas Luis Maria

Morfologia

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Vida minha é futuro do pretérito.
Ilusão mais que perfeita.
Empirismo puro e platônico
E os domingos são grandes pleonasmos.

Parte que me cabe, subjuntiva,
É figura de linguagem inexpressa.
Lual em que a lua morre toda noite
E com lua voam sibilantes os ideais.

Portos em que navego intransitivo
Retém em parte, minhas formas reflexas,
São corações abstratos, transeuntes,
Agentes da passiva sob pronomes pessoais.

Assim se formam estes dias condicionais
Num fascínio bobo de criança substantiva.
E estas horas todas, átonas e sem hiatos
Levam-me a tempos d'oração sem sujeito.


Jônatas Luis Maria

Macária

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Fingimento das Personas no crânio acorrentadas:
Catacumba do cadáver que enterrei na infância.
Logo adulto infanticida então. Marionete de mazelas,
Verme canibal devorando cada sonho morto.

Despedaçado se reencontra em cada canto,
E conversa. Uma prosa de mosaicos memorial.
Fundo no museu entreaberto resta um semi-vivo
Cantando uma elegia em honra às suas correntes.

Desvairada se contorce alma desmedida, anônima,
Entre ossos d’um alguém que o corpo desconhece.
Dançar a morte, e ser alegre no profundo desespero,
Este amante silencioso, que dorme com a gente.

Já ter vivido toda sua velhice aos vinte e sete
E reconhecer-se sonolento no velório dos avós.
Tranquilo, ser encerrado nas gavetas fúnebres
Em todos os dias em que viveu. O infeliz.

Jônatas Luis Maria

A Flor do Suicídio (Personas mortas)

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Esqueci tuas revoluções de apartamento,
Ouve-se ainda a canção dos enclausurados.
Perdeu-se o gosto que o corpo é virtual,
E carne cibernética memorial morre o tempo.

Estes dias são cinzentos, das cinzas mortuárias
Das nuvens impregnadas de doente constância.
Triste alter ego que se vê pelas ruas insaturadas
Aos milhares de olhares imparciais dos mortos.

Encerrar confins do mundo, que são pra mim,
Diferentes do que são pra ti confins do mundo.
Reviver enfiado nas horas, o dia sempre igual.
Domingo nostálgico de quem perdeu lembranças.

A verossimilhança que há entre as vidas do dia
Faz-se carrasco das reflexões momentâneas,
E vão-se depressa todos os dias e todas as vidas
Frente a inconstância de nossa alma sem nome.

Jônatas Luis Maria

Soneto da sexta feira santa

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Vamos celebrar a festa proletária,
Fanfarra da nossa parca colheita.
Gargalhar frente à tragédia hilária,
Proclamar santos de qualquer seita.

Comungar perante um deus do nada,
Onipresente. Falta, cansaço e açoite.
Em casa comuna, que não é morada,
Reviver cada noite como um deleite.

Sejamos um pacto em meio algazarras,
Ideal morto que já não há quem aceite.
Traídos, ensimesmados de suas amarras

Revolucionar, e ser em si um enfeite,
Oh meu ego universal de tiranas agarras
Livrai de mim e todos, tudo que se sujeite!


Jônatas Luis Maria

Navegar, navegar

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Marinheiro azul navega no mar celeste,
Cria ilusões, se entrega num vôo perene.
Entoa a canção que ao amor compusera,
Cala por vezes. Pausa de solidão agreste.

Mira horizontes vermelhos. Retorna o leme.
Embarcação que é corpo nu que lhe juraste.
Relembra segredos marinhos que conhecera
Em paixão remota, já perdida em terra firme.

Cai a tarde branca entre nuvens navegantes,
Remotas, no infinito céu e mar das ilusões.
Segue por aí a nau, deslizante sempre à leste.

Dançando, o vento leva em sonhos o veleiro,
Direção correta da paixão, conforme o mapa,
Guardado sigiloso, no coração do marinheiro.

Jônatas Luis Maria

As mil e uma noites

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A face precoce destas dores é estrela-guia às reminiscências:
Facas cegas de fé adornando todo mito, toda caverna;
Antes, pedaços de pedra lascada, depois, aço inoxidável.
Hoje carnes entrelaçadas, amanhã o sentimento de perda.

Não há museu que guarde tanto passado, nem ciência a prever toda mudança,
Nem há crença que traga esperança, nem sótão para guardar os brinquedos.
Não há álbum de fotos que não possa ser queimado,
Nem água turva onde a jóia possa ser escondida.

Não há Fausto nem paraíso perdido, nem escura floresta nem caminho para as índias.
Se em toda madrugada me refaço iguais a tantos
É pra manter-me perto ao teu disfarce. E se tu nunca vens
Recolho-me ás minhas madrugadas, e beijo o teu desdém.

E serias tu, tal qual eras antes? Ou somos nós ainda mais modernos?
Seria eu alguma diferença na soma de todos estes dias de inútil distância?
Somos na verdade as doses todas que bebemos, e estamos grudados
Ao coração dos velhos encontros e das mesmas mesas, aonde houve desencontro.

Rasgo-te em migalhas nos discursos. Choro depois os remorsos.
Atiro flechas em direção à tua retórica, e o alvo era ainda o coração.
Quem sabe assim eu te matasse, ou assim eu me morresse,
Quem sabe na sobra dos versos e dos dias, haja ainda qualquer coisa de paixão.


Jônatas Luis Maria

Dos dizeres do tempo

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E restam somente, tão somente, os alexandrinos.
Ficam os dias usados, delinqüentes empilhados
No cárcere da desmedida memória e seus sinos,
E a vida vai ficando dividida na pausa dos miados.

De que valeram tantos gritos incomuns, incontidos
Se na manhã seguinte, nenhum dos teus, pôde ainda,
Remendar o que faltara. Ébrios e tão entristecidos
Que todos destilaram sérios, a inevitável míngua.

A copos de desespero combateram a foice peregrina,
Contra a façanha certa de ceifar-vos toda resistência.
Inúteis gritos esconderam-se atrás à face da retina,

Pois num ato baldio, dado aos parvos na seqüência,
Defere a lança, o pai sombrio, que a todos elimina;
Seu voto de Minerva diz sutil: Levo-te toda essência.

Jônatas Luis Maria

Flor do Remorso

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Pudera ainda viver um amor tão doce de emoção,
O sentimento de páginas no branco das esperas.
Nas metáforas esclarecer-se, redimir-se de si só
E dos pecados anteriores, feito anjo, alheio dormir.

Pudera reviver aquilo que antes não pôde viver
E que por algum pormenor se passou ausente.
Sem resquício de consciência retratar o que não foi
Para seguir então adiante, adiante e tão somente.

Mel gelado das essências é o passado adormecido
Que retumba, remete a tudo que fora deixado de lado.
De remorsos incendeia o ventre lacerado de si mesmo,
Agita um choro que de tão quieto não se esvai ainda.

Este pranto enclausurado na garganta ressequida
É o desconsolo dormindo silencioso atrás dos olhos.
Na doçura que se esvai de fronte ao espelho sombrio
Passa de relance o amor vivido à pena nas entranhas.

Jônatas Luis Maria

Estética da Mágoa

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“Devora-me, deforma-me à feiúra. Por que não tu?”
Marguerite Duras

Consternações de que o peito se alimenta,
Canção idolatrada dos pedaços do destino.
Ser um quarto vazio condenado ao tétrico
Esquecimento de antigas canções de ninar.

Pedaço de ternura atirada à margem do descaso;
Garganta incontida d’um latente desespero
A emanar o rugido insensato da solidão
Ecoando o intangível silêncio das indiferenças.

Miasma mutilado por pétalas de sensibilidade
Rasgando em versos o todo indivisível sorriso.
Fragmentado fantasma, multifacetado, no entanto,
Tantas máscaras possuir e nenhuma servir-lhe ainda.

Todo multiverso condensado em uma lágrima
Pendurada em rosto de cristal estilhaçado.
Sobra unânime de todos restos d’alegria;
Um rastro, deixado por um amor que passou.

Jônatas Luis Maria