A inclusione unius ad exclusionem alterius




__________

Cadê meu pedaço de deus?
Vendo a carne lacerada d’um anjo, perguntei:
- O que há em tua pele? Guerra?
Não. Respondeu. Minha pele é rosa de Hiroshima.

- Tu és a vítima? Aquele que queimou?
Não. Respondeu. Sou aquele quem viu.
- Fizeste parte então. Participaste, és tu
o grão de pólvora no incêndio nuclear?

Sim. Queimei a pele das crianças com urânio,
Incendiei a humanidade com Napalm.
- Por quê? Perguntei ao anjo.
Porque tu não fizeste nada para impedir.

- Mas nem mesmo era nascido. Indaguei.
Deveria nem haver de ter nascido então.
- Não escolhemos tal como dizes tu, argumentei.
Escolher irmão, é restringir o mundo dos aniquilados.


------

Jônatas Luis Maria
Da inclusão de um à exclusão de outro

Fantasmica



__________

As chuvas de inverno lavam o mundo
um cavalo à beira da estrada
lágrima beira abismos
um abismo e margens de mim

Dentro em minhas veias está chuva
Emerge dos olhos essa névoa e você
dança e silêncio nas nuvens densas
é sobra de além de minhas margens

As pequenas catástrofes são lentas
vagarosas, por haver eternidade disponível
Catarse humana é só a chuva
nossa agonia imensa é só a chuva

É preciso resiliência, inverno
águas, lama e frio. Quietudes
grossos casacos e pesados mantos
nos cobrirão o pensamento pela eternidade

Jônatas Luis Maria

Balada dos Mortos – Prece Aflita




__________

Tateio as estranhezas do mundo,
sinto os naufrágios de deus.
As certezas que encontro no fundo
desse poço, rasgam meus dedos ateus.

Farejo o cheiro ocre, dos ratos,
dos zumbis cotidianos nas ruas imundas.
A cidade é um cemitério imenso
onde habitantes reviram lixo dos velórios.

Estremeço em convulsões quando lembro
Que os porcos jamais veem o céu.
Os subterfúgios deste enorme chiqueiro
Se fundem com as mágoas passadas da nação.

Vejo esse mundo e que vejo no mundo
é contraste luz e sombra no jogo de mostrar
e esconder as sarjetas, a invalidez e os ossos,
os restos, pedaços roídos da ralé moribunda.

Ouço o lamento dos anjos, esfarrapados,
esfiapados, estraçalhados de agonia suprema
e cidade de prata se decompõe pela peste,
uma tamanha infecção que pôde alcançar o céu.

O corpo é mausoléu, é cerne podre oco,
servido de vermes gordos e maldades divinas
cuja dieta é, senão alma semiviva, um qualquer
que se desgasta em rastejo pelo mundo, mas nunca morre.

Jônatas Luis Maria