Reflexão café com leite

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Moro num lugarzinho
Parecido com Charleville.
Porém não precisei ir à África
Pra viver minha temporada no inferno.

Fugir foi-me sempre um fetiche, insânia.
Normalmente para paraísos artificiais,
Para ermos vales do subconsciente,
Gavetas sórdidas de meu gabinete antropomórfico.

Fugir para os cafés, fugir dos cafés.
Fugir de casa, trancado no quarto,
Trancado no jazz. Pular da janela
Para ser absorvido por tudo que é azul.

Do ser e o nada, fiquei com o nada,
E parece-me que nada é assim tão Sartre.
Antes um Kant, mas tem de ser a priori.

Fujo porque não gosto de ser inseto
E tão pouco a loucura me agrada
Nem as niilistas, nem as de Van Gogh.

Jônatas Luis Maria

Flor do Adeus

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Vê a rosa a brotar deste coração;
Vermelha viva, cravejada de espinhos.
Este Ícaro tão perto do sol
No último instante de seu bater de asas.

Vê a lua! Como chora lá sozinha
E deus como ri loucamente do poeta,
Este pássaro cego a voar pelo céu
Numa busca desesperada pelo fim.

Admira com ternura esta lágrima pouca
Pintada eternamente no rosto do arlequim.
Admira com ternura ainda, o choro fundo,
Lembranças derramadas em gotas de adeus.

Vão-se os dias, as tardes, inúteis tardes,
No espiral atroz e infindável do esquecimento.
Dos dias ficam as sombras dependuradas
Debaixo dos olhos que não se fecham pra sonhar.

Estas são, pois, imagens da despedida. Flor do Adeus.
São beijos e jasmins impregnados nos lábios ardentes,
Magnólias ao cair dos olhos. Lis na pele de liturgias.
Fica a alma como flor de lótus no amanhecer.

Jônatas Luis Maria

Das Impressões

Como brota, flor da tua ferida,
Luar perdido, entre esboços do meu amor.

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Das impressões sinestésicas tão confusas,
Dessa mistura de cores ao pôr-do-sol em reflexo,
Por entre reflexos sob o sol de Valery,
Fica comigo, atroz reflexo do sol, a sombra,
E sombra de mim altera o sol e é escárnio do amor.

De você, Victória, perdida por silêncios quebradiços!
Perdida entre rosas do luar austero que é minha alma.
Ficaste sozinha Victória, desvirtuada e perdida,
Entre os frangalhos das bandeiras que eu queimei.
Deixaste a lânguida ausência elevar-se a um teor de lágrima.

Das tardes, tão tardes, tarde ficou para nós.
Dos domingos de sol, sem sol, sem névoa nem louvor,
Dos domingos pagãos, entre tardes escorridas pelo rosto,
Do contragosto e do desgosto, nós que por gosto, sorríamos;
Um sorriso leve que se espalhava na tarde e sumia com o dia.

Pois então que se vão os dias e os dias se vão de nós
E nós que já não somos nós, contemplamos o vazio solene,
O vazio dos dias que se foram com seus sóis sozinhos
E o vazio dos dias que virão em ausência de sóis no céu,
E desnorteados, perdidos procuraremos, em vão, por uma luz.

Das imensidões em nós, das vastidões vazias infinitas.
Das ficções, das ilusões que o peito se alimenta,
Restam pedaços de cacos de memórias reclusas
Num pedacinho de gosto de beijo que restou.
Dos restos, fica o ilusório sentir um cheiro nosso.

Das sensações dos corpos sem amor: fica o amor.
Das vidas, das vias e vielas percorridas em noite sem luar,
Das esperas, dos sonhos que esperamos e não chegaram,
Das veias, vazias em busca de sangue, do sangue, enxuto,
Seco, soluço, vivo, vivo, vivo, fica a vida, vindo, velha.

Das imaturidades carregadas pelos olhos, fica o senil,
A desventura, e o carrasco da esperança, matando,
Matando um cheiro de ausência, e deixando um resto,
Um resto de torpor entrelaçado em nossas roupas novas.
Dos restos, ficam os dias, os dias, solitários, duvidosos
- de nossa real existência.

Dos restos, dos restos, fica fotografia desbotada,
Embotada de perfumes que vivem na imaginação
E jamais haveriam de ser, propriamente, alguma essência.
Do que fica, fica sem ficar, finge que não vai embora,
Mas lento, ficará apenas uma verossimilhança vaga,
- daquilo que foi, ao nosso modo, uma forma de amor.

Jônatas Luis Maria

Cais do Porto

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Ilhas minhas nuas, esquecidas.
Cemitérios de emoção e ruas,
Porto de navios fantasmas,
Ilhas tristes, tão sozinhas.

Dos olhos chorosos, caiar de abandono.
Na boca cais do porto, o beijo de adeus.
Velejar por entre ilhas de tuas mãos
E ter nos lábios, naufrágio em tua pele.

Ilhas austeras sem luar,
Céu sem estrelas para olhar.
Docas a aportar sonho algum
Nas ilhas notívagas da alma.

Corações feitos de silêncio simplesmente.
Olhares tão dispersos, por tão longínquos,
Mirar constante e vago, por mar indescritível
E a alma em pedaços, ainda quer cantar.

Ilhas minhas, velhas ilhas sem abraços,
D’uma vista tão peculiar e vasta.
Viver consternado em cinza alegria
Nestas velhas ilhas, bem distante do amor.

Jônatas Luis Maria