Documento 1


Para Kafka

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Do ponto de vista onde eu estou
Não há perspectiva para baixo.
Este é o fim do poço da mediocridade,
é ponto final de quem ama o desespero.
Tenho como vizinhos de porta o verme e a política
e tenho admirado tanto os verdadeiros criminosos!
Pablo Escobar, Al Capone, Beira-mar.
Admiro mais ainda os de ficção,
Don Corleone, o jovem Alex...
Gente que verdadeiramente suja de sangue as mãos,
que esquarteja a sociedade e lhe morde o pescoço.
Heróis são aqueles que matam sem a hipocrisia do discurso,
sem proferir o novo plano curricular do MEC.
Sem ter em mãos a cartilha da constituição.
Todos os outros são uma farsa.
Talvez não heróis, mas mais dignos do que eu.
Mais verdadeiros do que eu e bem menos institucionalizados.
Na política, só há chacais, hienas,
devoradores covardes da parcela da sociedade
que já está morta.
Onde eu estou, bem, aonde me encontro,
sou um artrópode escondido
debaixo da carapaça de três mil anos de boas intenções.
Nem aracnídeo, nem viciado, nem hippie - Artrópode!
Minha classe devora da sociedade aquilo que já foi devorado.
Um besouro do esterco que emaranha a mácula e o crime,
soldando-os com uma cola de cinismo e preguiça
que se regurgita melhor no passar dos anos.
A metamorfose Kafkiana é a investidura do cargo,
é a pedagogia. É o batismo. O casamento.
Ser inseto é pertencer ao departamento de RH.
Orientador educacional e atendimento ao cliente.
Os agentes sociais depositam ovos quando copulam
com os relatórios e as canetas Bic e Checkbox
fecundando a carne rota dos excluídos,
dos marginalizados, dos oprimidos.
De todos estes cadáveres que outrora em vida
foram trucidados, retalhados, chupados e exauridos
pelos verdadeiros assassinos. Aqueles melhores do que nós
até a última gota de trabalho e dignidade.
Nós ficamos com a sobra, com aquele pequeno prazer
de ver gente menor do que a gente, ser menos do que a gente.
Existe a religião e o judiciário, com seu direito de matar,
de pilhar, de estupro, pedofilia e privação.
O canibalismo amoroso natural da humanidade.
Abaixo destes estão seus filhos: senadores,
advogados, grandes corporações, policiais
e seu direito de vender, prostituir e torturar. Estes,
que aliados aos médicos mantêm a peste em seu devido lugar.
Depois os professores e toda a mediocridade
das escolas, postos de saúde e defensores públicos,
agentes em geral. Prefeituras, vereadores.
Uma coleção de gente tão feia
que fica feio escrever em verso.
Abaixo deles, onde nada mais pode estar abaixo,
eu. Aquele que não representa nada. Que está
por estar e ninguém sabe porque está. O artrópode.
Toda cadeia alimentar tem a sua base, mas,
dói mesmo saber que eu e meus colegas
da ordem dos parasitas, além de comer e fecundar
sobre restos de um país que apodreceu
ainda caga pedaços de esperança
em cima do sonho dos mortos.
Jônatas Luis Maria