sobre todas as coisas

E se o Criador
Inventou a criatura por favor
Se do barro fez alguém com tanto amor
Para amar Nosso Senhor
- sobre todas as coisas, Chico Buarque de Holanda
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 Será que já temos traçadas
nossas rotas de fuga?
Serão planejados os nossos sorrisos?
Se for pra fugir, que seja pelo lindo caminho
que leva até sua casa, nas manhãs de flor e mel.
Se há planejado um sorriso, é todo seu.

Existe uma gratidão interiorana
vivendo em nossa morada.
Um amor que pertence aos espaços e entrecoisas.
parece a festa que faz o jardim,
quando não estamos olhando.

A vida está em todos os lugares.
Tudo que tocamos, com o que interagimos
fica em nós e com uma parte de nós.
É uma troca honesta entre as coisas do mundo.

Eu penso em você. As vezes como o amanhecer,
as vezes como fins-de-tarde e anoitecer,
as vezes só penso em você por pensar
e é aí que eu planejo meus sorrisos
e na imagem que tenho dos teus olhos,
traço rotas de fuga.

Penso em você como possibilidades otimistas,
Penso no mundo como lar a céu aberto
E cada lugar por onde passei, foi um amigo que me abraçou.
Acho que somos isso mesmo, em essência,
um abraço no mundo.

Há naturezas felizes nessa coisa de juventude fugaz
que me faz querer voltar a voar
e abraçado no mundo, contemplo estrelas distantes
e penso em você como possibilidades de infintos.


Jônatas Luis Maria

Balada das horas escuras



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Pequena canção para fazer soprar os ventos
e ver se com os ventos, se vai todo silêncio,
se esvai toda tristeza, se esvai a solidão,
e se essa réstia de dia,  dura ainda um pouco mais.

Pequena canção para as canções,
Aquelas distantes canções, longe longe longe,
nos matagais, nos rios entre vales, na gente
que é a gente esperando anoitecer.

Pequena canção para as estrelas
que afastam os medos noturnos.
Acendem-se, apagando a tristeza
que aos pouquinhos me leva daqui.

Pequena canção para o amor
cansado e que precisa de forças para recomeçar.
Pequena canção para nós dois,
que também precisamos dessa força.

Pequena canção para o deserto abissal
a que levam os meus passos cegos, perdidos
Na queda infinita que vai ecoar, acordando
A tristeza absoluta do mundo.

Pequena canção ao que se rompe, e se desfaz.
Quando nada mais for minimamente importante
Essa canção será tudo o que resta.

Jônatas Luis Maria

Azul, Janelas e Movimento



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Tem vezes em que não estou. É como se não houvesse.
É aquele lusco fusco do fim do dia. O sol está, mas não se expõe.
Nas manhãs de outono acordo e me ofereço ao dia
como se oferece ao vento, o trigal do campo.

Tem dias que sou esquecimento. Uma ternura anciã
que vem da terra e se mistura ao fim da tarde.
E fim da tarde é solidão, no peito de quem não mais existe.

Nessa paisagem que passa pela janela, às vezes lenta,
outras vezes mais,
descubro que só há paz, quando alma se movimenta.

A paisagem passa, o sol passa. A partida passa
e se torna lentamente, a chegada. Passam os outros,
trespassam-me.

Só não passam os meus olhos azuis
nos limiares de qualquer abismo.

Aqui e lá, um ou outro pássaro passa
corta o céu como se não o machucasse.
Consente o céu para com a passagem do pássaro
mesmo sentindo-se ferir em seu azul.

Se eu fosse esse pássaro e pelo céu passasse
Machucaria também esse céu,
como um amor que está apenas de passagem.

Para não machucar o céu, só se não voasse.
E para não machucar o amor, só se você ficasse.

Seria como escolher nesta paisagem uma bela árvore
para ali fazer seu ninho e do ninho jamais partir.
Poder-se-ia então ver o céu, sem machucar azuis.

Se assim o pássaro escolhesse
E se assim o amor escolhesse
Nem o azul do céu, nem o azul dos olhos meus
esvair-se-iam.

Passam por mim as cidades e sua gente,
a liquidez do mundo e seu fluxo automático.
A fluidez da luz faz de mim um fim de tarde
E é outono. E como o outono gosta de melancolia
vem lá o pôr-do-sol, buscar o que é seu.

Vem lá a vida, alheia, que vem e que passa.
Como entendem bem os poetas,
Dos pássaros, das passagens e da vida.
Eles passarinho, e eu também.

Passarinho resignado, sob as árvores e os longes.
Que se assusta quando vêm as nuvens, com seu manto
De cinzas e seu espírito de nunca, levar-me o azul do céu
E lavar-me o azul dos olhos.

As chuvas de outono nunca passarão.

Jônatas Luis Maria